O fato de ter ele aparecido inesperadamente no Tapajós só aumenta o seu valor, justamente porque foi inesperadamente. E com essa viagem ele tinha resolvido a primeira parte do problema que o Xingu oferecia.
Nesse sentido, a informação errônea de que participou também o Príncipe Adalbert, e que Severiano já tinha reconhecido, torna-se facilmente compreensível. O Príncipe assim se exprime: "Não se têm também notícias de viagem alguma feita pelo Xingu, desde a sua fonte até a sua foz, com exceção única da de um tenente da milícia, que no ano de 1819 saiu de Cuiabá, navegando pelo rio, até Porto de Moz." A teoria de que o Paranatinga é uma das cabeceiras do Xingu, a referência ao tenente e a coincidência da data do ano permitem perfeitamente a confusão com Peixoto, pois não é conhecida outra expedição cuiabana realizada por um tenente, em 1819, no Xingu.
O não terem os paulistas conhecido ainda o Xingu explica-se, entretanto, pelo fato de que, em virtude das novas condições políticas de Mato Grosso, as suas viagens aventurosas foram interrompidas. O objetivo dos paulistas, a que pertencia o plano da exploração do rio Xingu, ter-se-ia, por força, realizado mais tarde. Poderia até realizar-se naquela época, mas não se sabe se realmente se verificou. É nesses três itens que concordo com Pimenta Bueno.
Finalmente, devo citar ainda uma série de notícias, de origem mais ou menos lendária, cuja exatidão até agora em vão se procurava conhecer. Por causa dessas lendas, as campinas desertas entre o Arinos e o Araguaia despertam o maior interesse aos habitantes. Trata-se do eldorado do Brasil — os Martírios.
Um dos chefes paulistas mais destemidos era Bartolomeu Bueno da Silva, apelidado pelos nativos "Anhanguera" (diabo velho). O terrível feiticeiro havia intimidado os pobres indígenas, ameaçando-os; caso não lhe obedecessem, pôr-lhes-ia fogo nos rios e a fim de lhes demonstrar a sua misteriosa força queimou um pouco de aguardente, clara como a água, dentro de uma casca de abóbora, o que deixou os descrentes inteiramente pasmados.
Anhanguera e seus companheiros foram os primeiros que se adiantaram, pelo fim do século XVII, até o rio Cuiabá à procura de escravos. Uma expedição memorável, que partiu dali contra os coroás (hoje erradamente chamados, em Mato Grosso, coroados), deu base para a lenda dos Martírios. Dois meninos se achavam na expedição: Antônio Pires e Bartolomeu Bueno, filho de Anhanguera.
O relato mais seguro vem de Pires que, quando adulto, visitou o pai do cronista, o padre José Manoel de Siqueira. Este conta que os