CAPÍTULO II
Mato Grosso
Com toda a certeza, o lugar mais abençoado da terra, alheio a qualquer progresso, força produtiva e meio de comunicação, só poderia ser o próprio paraíso que, com a sua beleza e os seus tesouros, fica a milhares de anos para trás. Mas o homem habituou-se tanto à condenação que em parte alguma estaria tão descontente quanto no paraíso!
Não desejo, entretanto, exagerar os privilégios de Mato Grosso e dizer que é o jardim da criação. Aliás, as condições de produção, a extensão da província e o papel que a mesma representa no próprio país são muitíssimo precários, sem mencionar as relações com o resto do mundo, que são nulas. Rimo-nos do "yankee", que não pode olhar um monte ou uma cidade sem perguntar a si mesmo e aos outros onde seria bom instalar os trilhos da estrada de ferro que ali falta, mas nós que vivemos num país bastante habitado e rico de comunicações, o solo largamente aproveitado de alto a baixo, não conseguimos contemplar, sem inquietação, as regiões distantes de outros continentes que jazem incultas. Somos obrigados a refletir como havemos de despertar, em seus habitantes, aliás muito satisfeitos na sua tranquilidade, o desejo de agir.
O homem de Mato Grosso se acha num estado intermediário pouco favorável, pois, um dos seus pés se firma no passado e o outro toca o futuro. O apito estridente da máquina da civilização fê-lo acordar do sonho passivo da sua existência. Ele sabe avaliar, entretanto, o seu sonho agradável, através dos olhos sonolentos, ainda, por entre a fumaça que se desprende da máquina moderna, por onde passam visões alucinantes de uma nova era de conforto, luxo e prazeres refinados. Suas ambições não estão em relação à sua produção. Odeia o auxílio de estranhos e ao mesmo tempo deseja-o, pois não consegue ir adiante sem esse apoio, que, por sua vez, não vem. É somente a custo de muita paciência, habilidade e força de ação que se poderá dominar a difícil situação.