Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817

A curta distância das casas, no recesso da floresta, sob a mata luxuriante e florida, enterraram um jovem botocudo, de vinte a trinta anos de idade, um dos mais turbulentos guerreiros da sua tribo. Armados de picaretas, dirigimo-nos à sepultura e apanhamos o notável crânio. Notamos, à primeira vista, uma curiosidade osteológica o grande pedaço de pau, usado no lábio inferior, não apenas deslocara 03 incisivos inferiores, como também comprimira e apagara, nesse crânio novo, os alvéolos dos dentes, o que geralmente só acontece com as pessoas muito velhas. Azara, nas sua "Viagem pela América do Sul"*Nota do Autor, observa que os crânios dos americanos se estragam muito mais depressa que os dos europeus. Tal asserto não está de acordo com o de Oviedo, citado por SOUTHEY (Hist. Bras.), 1. 631), segundo o qual as espadas espanholas não podiam marcar os crânios americanos devido à dureza: provavelmente, ambas as alegações são por igual infundadas.

Embora tomasse o maior cuidado em guardar segredo sobre a minha intenção de abrir a sepultura, a notícia em pouco se espalhou pelo "quartel", causando forte sensação entre aquela gente ignara. Impelidos pela curiosidade, mau grado um secreto terror, vários se acercaram da porta do meu quarto e quiseram ver a cabeça, que eu, entretanto, escondi imediatamente na mala e tratei de mandar o mais cedo possível para a Vila de Belmonte. Se bem que os "Botocudos", como então verifiquei, se sentissem menos chocados com o desenterramento que os soldados do "quartel", não é menos verdade que muitos deles se recusaram a presenciá-lo. Satisfeitos os meus propósitos nesse interessante lugar, voltei ao desembarcadouro e embarquei de novo, de manhã cedinho, no segundo dia após a minha chegada.

A descida do rio é muito rápida; chega-se em um dia à ilha da Cachoeirinha. Transpusemos, então, sem muita dificuldade, a Cachoeirinha, ao passo que, subindo, fomos obrigados a alijar a carga. Nossa canoa era muito grande; fazia, entretanto, muita água, porque, precipitando-se rocha abaixo, a proa mergulhava na água, violentamente agitada pela queda; ficamos, por isso, completamente molhados, e um pequeno botocudo, que eu trouxera comigo, chorava, de medo, lágrimas copiosas. Com a mesma felicidade, a canoa desceu por todos os outros saltos pequenos. Perto da Lapa dos Mineiros, vimos uns botocudos na margem sul, ocupados em flechar peixes. Um deles, o que estava mais próximo de nos, logo nos acenou para que o fôssemos buscar e lhe déssemos algo de comer. Desejando vê-lo mais de perto e fazer negócio com as armas dele, fiz a canoa dirigir-se para a margem; impelido, porém, pelo apetite imperioso, não esperou pela nossa chegada, ficou com a água pelo pescoço e veio, então, ora a váo, ora nadando, sustendo as armas acima da cabeça, até uma massa rochosa, já bem para dentro do rio, onde se pôs a fazer sinais, indicativos de rude e indomável impaciência. A mais curta distância