vimos que o botocudo era um homem alto e robusto, traindo nos menores gestos a sua natureza selvagem. Abriu a boca quanto poude e berrou; "nuncu" (comer), ao que lhe atiramos às guélas, alguns punhados de farinha; enquanto as engolia vorazmente, um dos meus, que entendia um pouco da linguagem desses selvícolas, pulou em terra, apanhou-lhe as armas e as trouxe para a canoa, em lugar seguro, dizendo-nos que o homem era tão selvagem, que devíamos estar prevenidos contra ele; ao mesmo tempo, colocou uma faca na extremidade do remo, apresentando-o ao aborígene, que pareceu muito satisfeito com a troca; após o que nos pusemos rapidamente ao largo. O botocudo, cuja fome ainda não se aplacara, não perdeu a esperança de alcançar-nos; correu um bom pedaço pela margem atrás da canoa, pulando de pedra em pedra, nadando e vadeando; até que, por fim, vendo que a canoa estava muito longe para ser alcançada, voltou descontente para a floresta. Pouco depois topamos dois outros selvagens, que também falaram conosco e fizeram igual pedido de comida; não estávamos, porém, dispostos a entabolar conversação com eles, e, o que é mais, não tínhamos tempo a perder. À tardinha, quando a canoa descia a Cachoeirinha, bateu contra uma rocha e imediatamente estacou . Eu desembarcara antes, e galgava a margem a pé, pois, não sendo bom nadador, não queria me expor a um banho desagradável. Fiquei muito contente por ser apenas um expectador distante do choque, que fez se precipitarem todos os da canoa uns contra os outros. A água começou a entrar e o meu pequeno botocudo pos-se novamente a gritar, angustiado; a canoa entretanto, safou-se sem acidente e atingimos o Quartel dos Arcos antes do ocaso.

A minha chegada à ilha, encontrei um dos meus doentes de febre, o que me obrigou a permanecer uns dias no lugar; provido de boa quina, curei-o logo. Segui, então, com alguns caçadores, para a Ilha da Chave, várias léguas rio abaixo, onde, segundo nos contaram, não só encontraríamos muitas "anhumas" como abundância de caça em geral. Durante a descida matamos algumas "araras" e encontramos na margem diversos e belos arbustos floridos; nas cimas densamente entrelaçadas da floresta, distinguimos, sobretudo, as folhas róseas da sapucaia e a Petraca volubilis, com os compridos cachos de flores azul-celestes*,Nota do Autor.

À tardinha, debaixo de aguaceiro, chegamos ao fim da jornada e desembarcamos na ilha arenosa. A chuva diminuiu um pouco à noite, mas um abrigo seco e sossegado para a dormida estava fora de cogitação; metemo-nos, completamente encharcados, em umas velhas e estragadas choças de pescadores, cujas cobertas de folhas havia muito se arruinaram. Tentamos proteger-nos da chuva com cobertores e couros de boi, fizemos uma fogueira para nos aquecer e secar; mas,