como a chuva caía sem cessar, mal podíamos tê-la acesa e,assim, esperamos com impaciência pelo fim da incômoda noite. Na manhã seguinte bem cedo, mandamos gente à floresta, em canoa, afim de cortar lenha para a fogueira, palmas, varas e "cipós", com que pudéssemos construir uma choça grande e espaçosa. O tempo tornou-se algo mais, favorável, mas como o nosso trabalho fosse frequentemente interrompido por pancadas dágua, tomou-nos esse e mais todo o dia seguinte até acabarmos a construção. Aí residimos eu e mais quatro dos nossos, além de um botocudo chamado "AHÓ", que me acompanhara para caçar. Ficavam sempre duas passoas de guarda na ilha e cozinhando enquanto as demais iam à caça na floresta.
Um dia, mal saíra a canoa para uma dessas excursões, quando vi os caçadores fazer fogo, voltando imediatamente. Tinham percebido as quatro patas de um quadrúpede sabido fora d'água, tomando-as como de um porco morto, mas, em se aproximando, deram com enorme serpente, que se enroscara, em muitos anéis, numa grande "capivara", matando-a. Descarregaram, de imediato, dois tiros no monstro, e o botocudo mandou-lhe uma flecha; só então abandonou a presa e, não obstante o ferimento, fugiu como se nada houvera. Minha gente apanhou a "capivara" ainda perfeitamente fresca, acabada de morrer, e voltou para me relatar o acontecimento. Desejando muito obter aquela extraordinária cobra, mandei de novo e imediatamente os caçadores atrás dela; mas foram inúteis todas as tentativas. O tiro perdera a força na água, e a flecha fora encontrada partida na margem por onde a serpente a arrastara; ferida ao de leve, retirou-se para tão longe, que, a meu grande pesar, não se encontrou novamente.
Esse réptil, a "sucuriuba" do rio Belmonte, ou "sucuriu", conto a chamam em Minas Gerais, é a maior espécie de cobra do Brasil, pelo menos das regiões acima mencionadas; estão inçadas de erros as descrições que dela fazem os naturalistas. Daudin citou-a com o nome de Boa Anaconda. Encontra-se em toda a América do Sul, atingindo o maior tamanho dentre as espécies do gênero, nessa parte do mundo. Devem-se-lhe todas as denominações alusivas ao habitat aquático das cobras Boa: pois as outras jamais vivem na água, ao passo que a "sucuriú" ou "sucuriuba" vive constantemente na água ou próximo dela, sendo, assim, verdadeiro anfíbio no sentido literal da palavra. Está longe de ter um belo colorido: o dorso é de um tom preto-olivaceo, percorrido longitudinalmente, por duas fileiras de manchas pretas redondas, dispostas aos pares e, em geral, com bastante regularidade. Nas paragens solitárias, aonde não vai o homem, atinge o tamanho prodigioso de 20 a 30 pés, e até mais, de comprimento.(348)Nota do Tradutor Daudin, na sua História Natural dos Répteis diz ser da África tida por ele como sendo a genuína Boa constrictor; esta, porém, se é que se encontra também na