Para tornar mais seguro o êxito da caçada, mandei o meu botocudo, Alió, contornar pela mata e cortar-lhes a retirada. Ao se aperceberem de que lhes interceptaram a fuga, os animais meteram-se na água e tentaram alcançar a margem oposta, sendo barrados pela nossa canoa. Uma delas, voltando, de novo atingiu o banco de areia e, se não tivesse arrebentado a corda do arco, dando-lhe tempo de fugir, teria recebido uma flecha do meu botocudo. Atiramos diversas vezes na outra, que mergulhou e depois ergueu a cabeça acima dágua para tomar fôlego, mas o nosso chumbo era muito leve e a canoa tinha, peso demais para avançar rapidamente; não tínhamos balas, e esses animais só podem ser alvejados quando põem a cabeça fora d'água, perto da canoa; a pontaria, então, deve ser feita na orelha: o apavorado animal perdeu muito sangue, mas ainda assim escapou, o que dificilmente conseguiria, si tivéssemos cães conosco. A facilidade e a desenvoltura com que nadam são-lhes de muita valia quando fogem aos caçadores. Se bem que a anta, animal grande e pesado, seja protegida por um couro muito espesso, os portugueses sempre o abatem a chumbo e não a bala: têm, para isso, necessidade estrita de arcabuzes compridos e cargas grandes de chumbo grosso; preferem, igualmente, atirar de chumbo doze a dezeseis vezes num animal a carregar com bala. Para que possam, nas caçadas, matar qualquer espécie de animal, os brasileiros levam sempre as espingardas carregadas com chumbo, e dessarte e abatem ora um porco selvagem, ora uma anta, ora uma "jacutinga" (Penelope). A anta é procurada principalmente por causa da carne, sendo os cães muito úteis então. É geralmente encontrada pela manhã e à tardinha, nos rios, aonde gostam de ir tomar banho para se refrescarem. Se o animal é gravemente ferido e fica um pouco exausto, os brasileiros muitas vezes o atacam, a nado, de faca na mão, intentando cravar-lha. Assim justificam o costume do país de levar-se sempre um punhal ou faca à cintura, costume que até os padres observam, e de que resultam muitos assassinos.
Detido pela infrutífera caçada, só cheguei ao "destacamento" noite avançada; e pela manhã cedinho fui acordado pelos botocudos recemvindos, impacientes por travar conhecimento com o forasteiro. Bateram violentamente à porta, que estava fechada, até que eu a abrisse, enchendo-me, então, de manifestações de amizade. O "capitão" Gipakeiu se agradara muito de mim, porque lhe disseram que eu era um admirador dos botocudos, e ardia de impaciência para o conhecer a ele, grande chefe. Era de estatura mediana, porém, forte e musculoso; usava nas orelhas e no lábio inferior grandes batoques de pau o rosto, até à boca embaixo, estava pintado de vermelho vivo; pintara uma linha negra sob o nariz, de orelha a orelha, deixando, porém, ao corpo a cor natural. Mostrava-se sincero e bem intencionado para com os portugueses, e nunca houve aí razão de queixa contra a sua conduta. Embora não se distinguisse externamente dos outros membros da tribo, os conterrâneos tinham-no em grande consideração, o que por vezes o tornava útil aos próprios portugueses. De uma feita, por