Gente sem raça

Com os seus defeitos e as suas falhas, dom Pedro era nobre e era grande. Aceitou os reveses com o estoicismo dos fortes. Habituara-se a receber as agressões com "a mesma desdenhosa indiferença" com que acolhia os aplausos. O seu idealismo levava-o à convicção da superioridade. Que mais queria ele que uma conciência sã a dizer-lhe que estava cumprindo o seu dever e que, mais tarde ou mais cedo, acima das paixões do momento, viria a reparação da justiça e a sua memória seria abençoada?

O seu temperamento pode-se classificar de impulsivo. Teria sido, mesmo, como dizem, um nevrótico. Mas em que isso o desabona? Impulsivo para correr aos campos das lutas, animando, em pessoa, as suas tropas, com o exemplo da bravura individual. Impulsivo para chamar o povo, que o aclamara seu defensor perpétuo, à independência ou à morte, porque sem uma, seria preferível a outra. Impulsivo para desembainhar a espada e ir, ele mesmo, defender o trono dos seus maiores contra a usurpação da ilegalidade posta a serviço da tirania. E em mistura com tantos gestos de impulsivo, quantos rasgos de desprendimento, de magnanimidade e de elevação de caráter! A sinceridade, o cavalheirismo, a elegância moral das atitudes gritavam em cada ato desse moço de sentimentos tão dignos, a quem a natureza, na frase de Lafaiete, predestinara "a ser num e noutro hemisfério o herói da libertação de dois povos".(9) Nota do Autor

D. Pedro é o campeão de nossa independência. O "fico" não foi, como supõe muita gente, um gesto espetacular do Regente, ávido de popularidade, mas o desfecho público de intensa preparação. Inteirado pelo insolente "ditador" das Cortes do que lhe poderia custar a desobediência às suas ordens, entre a imposição e o desejo ardente de alforriar o Brasil, debateram-se suas preocupações.

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