Um dia, pelos anjos incendida,
Hás de atear um ânimo fiel,
Que, nos exaustos cálices da vida,
Achou somente fel.
Esta orgulhosa inspiração mundana,
Que as crenças infantis veio toldar,
Como nuvem de incenso quando empana
As luzes de um altar,
Há de se esvaecer e o longo encanto
Deste mundo falaz que me seduz;
Contrito e nu, hei de tomar por manto
A penumbra da cruz.
Assim, quando o pampeiro sibilante
Das maretas azuis montanhas faz,
E da ressaca o rolo fumegante
Deixa as ribas atrás,
Alteroso baixel, soltando as velas,
Foge à terra almejada, e, no alto mar,
Onde reina o tumulto das procelas,
Vai, arfando, pairar,
Até que a luta dos bulcões fraqueia,
No céu puro reluz cerúlea cor,
E a vaga, apaziguada, a lisa areia
Oscula, com amor.
O sol brilha maior e esconde os lumes
Em nuvens arraiadas de carmim,
E nos ares, sutis, passam perfumes
De acácias, de jasmim;
Então singra o navio empavesado,
E, quando a noite desenrola o véu,
Lança ferros no porto, alumiado
Pelos faróis do céu!