Eça e o Brasil

sofreu, mas na própria Europa, quando fracassada a sublevação de 1828. O sentido figurado atinge maior exagero ao ser o desembargador representado regressando a Portugal "rodeado" de criados pretos - que eram apenas dois. A preocupação do pitoresco leva ainda Gaspar Simões a pretender que eles davam, a Aveiro, "um vago semblante das terras pernambucanas de Recife". Mas a presença de dois escravos não devia ser, em Portugal, coisa assim tão extraordinária. Oliveira Martins, no mural que pintou do terremoto de Lisboa, colocou pretos. Carlota Joaquina, segundo consta, amargurou-se de encontrar, no Brasil, ainda mais pretos do que em Lisboa. E por que, se havia pretos em todo o Brasil, a presença de dois deles evocaria, especialmente, as tais "terras pernambucanas de Recife", e não, por exemplo, para usar o mesmo estilo, as terras fluminenses do Rio de Janeiro? E por que, ainda, haveria Gaspar Simões de colocar o desembargador em Pernambuco, sem indicar qualquer fonte que a isso o autorizasse? Talvez para esta última pergunta haja explicação. Nas quase setecentas páginas, formato grande, da obra de 1945, não existe uma só palavra sobre ter o desembargador exercido "cargos oficiais" em Pernambuco. Nesse mesmo livro, porém, Gaspar Simões, tendo provado que Ana Joaquina nascera em Pernambuco, levantou, como se viu, a hipótese de haver, no Brasil, conhecido o desembargador. No livro seguinte, voltando ao assunto e provavelmente influenciado pela hipótese que formulara, transferiu o desembargador para Pernambuco, o que tornaria aquela hipótese mais viável. Esta explicação, evidentemente, importa em admitir singulares critérios de pesquisa. Mas que outra explicação existe?

Finalmente, é lícito a Gaspar Simões considerar "façanhudo" o desembargador Queirós. Mas se quiser fazê-lo entre aspas, evidentemente reportando-se à sentença, como citação, terá que dizer "façanhoso", pois foi assim que ela o qualificou.

Por todos esses reparos parece preferível ficar com a obra de 1945 do que com o resumo de 1961, inclusive quanto à época da ida para Verdemilho.

A este propósito, queremos insistir nas duas informações já aludidas, do próprio Eça, as quais não só mostram que viveu em Verdemilho, como parecem conter indicação no sentido de que foi para ali ainda muito pequeno, a tempo de conhecer o avô.

Eça e o Brasil - Página 46 - Thumb Visualização
Formato
Texto