Eça e o Brasil

Ao falar do escudeiro preto, por exemplo, relembra-o como a sua "mais remota recordação". Para que fosse a sua mais antiga lembrança, não deveria datar dos cinco ou seis anos, isto é, de depois da morte do avô. Sabe-se que as recordações mais distantes - e esta ficou marcada em Eça de Queirós, nitidamente, como sendo de todas a primeira - estão situadas, de modo geral, na faixa dos três aos quatro anos de idade.

Há ainda a carta a Oliveira Martins, cujo valor, como indicação autobiográfica, vem não só dos seus termos como - e talvez principalmente - das condições em que foi escrita.

Estava-se em 1884 e uma visita fora combinada, à propriedade de Luis de Magalhães, na região de Aveiro, por um grupo do qual faziam parte Oliveira Martins e Eça de Queirós. Este, à última hora, por motivos de trabalho, não pôde seguir com os demais. Escreveu então, no próprio dia, a Oliveira Martins, insistindo em que não adiassem a partida: "Vocês, com tipoia, barcos no rio, foguetes à espera e talvez literatos locais - não podeis faltar hoje." Quanto a ele, Eça, dirá depois: "Filho de Aveiro, educado na Costa Nova, quase peixe da ria, eu não preciso que mandem ao meu encontro caleches e barcaças."

Dir-se-á, desde logo, que Eça não nascera em Aveiro. Exato; mas fora para ali (Verdemilho é junto a Aveiro) tão pequeno, que com a região completamente se identificara, a ponto de se considerar seu filho. Note-se que o trecho não é de um artigo, ou mesmo de uma carta escrita com vagar. Não houve qualquer preocupação em fornecer - ou eliminar - dados biográficos. Surge no improviso de um bilhete escrito à pressa; e é uma declaração espontânea, natural, refletindo o que o autor realmente sentia. E o que ele sentia era aquilo: tinha ido para Verdemilho tão pequeno, que lá se considerava nascido.

Não há dúvida que tudo isso são apenas deduções. Mas deve ser considerado que, se há indicações, embora discutíveis, de que Eça conheceu o avô, nenhuma indicação é fornecida - mesmo discutível - de que tal conhecimento não se tenha verificado. E o conhecimento - note-se também - é que constituiria a presunção, por isso mesmo menos necessitada de prova. E por que a presunção? Porque não seria normal permanecesse o menino, mais do que o tempo estritamente necessário, vivendo com estranhos,

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