V. Nas comunidades rurais, o culto dos santos e a prática da pajelança não se põem como forças contraditórias. São parte do mesmo fenômeno, a religião do caboclo, porém diferem na sua função específica. O culto dos santos supre o caboclo de meios de atingir o bem-estar geral, boas colheitas, boa saúde e a segurança da coletividade e do indivíduo. Solicita-se a intervenção do santo através de promessas, propicia-se a boa vontade do santo realizando-se festas coletivas em sua homenagem. A pajelança serve para curar doenças que afligem o indivíduo e cuja causa se acredita seja devida à ação de sobrenaturais malignos ou à feitiçaria. Serve também para livrar o indivíduo de desgraças pessoais, como no caso de ser vítima da panema, ou recobrar-lhe a sombra (alma, espírito) quando fica "assombrado de bicho" (perda da sombra). Em tais casos não se recorre à intervenção dos santos, e sim ao pajé que dispõe de poderes adequados a essas situações através do controle de espíritos familiares. A pajelança responde a uma necessidade básica de tratamento e cura, uma vez que se acredita que as doenças resultam da ação de causas sobrenaturais, fora do controle e do poder dos santos.
VI. Atualmente a tendência da religião do caboclo é para orientar-se para uma forma mais estrita e ortodoxa de catolicismo. As irmandades, embora continuem a existir, são consideradas profanas pelos padres católicos. Contudo, a progressiva dissolução ou desorganização dessas irmandades não é devida unicamente à pressão dos sacerdotes. Um fator mais importante para essa mudança é a gradual transformação da população rural que, dispersada pelas freguesias, tende a se concentrar em centros mais densamente povoados. A melhoria de meios de comunicação e transporte promove o enfraquecimento de instituições locais.