Sincretismo religioso afro-brasileiro

trazia falta de ar, como quem está espreitando alguma coisa proibida, hesitei durante algum tempo se devia voltar ou aproximar-me mais. E decidi que devia aproximar-me. Dominado pela ideia fixa de descobrir o segredo do xangô, misturei-me, no "sereno", com a massa humana que se comprimia para ver, através de três janelas abertas, a dança religiosa africana. Eram homens e mulheres, quase todos negros, gente humilde que se distraía na noite de Natal assistindo ao "toque". Mas, apesar de passar quase duas horas, esgueirando-me por entre os espectadores do "sereno", numa atitude de ansiedade, para desvendar alguma coisa, nada de mais pude observar senão as danças intermináveis e o batido dos tambores, que parecia invariavelmente o mesmo. Quando me retirava, cerca de duas horas da madrugada, um foguete estrondou no ar. Fiquei meio espantado e voltei. O barulho dentro do terreiro, nesse momento, deve ter atingido ao auge. Os tambores tocavam fortemente. As danças tomavam um ritmo acelerado. No meio do salão um homem, feito louco, se contorcia em verdadeira convulsão. Aquela cena impressionou-me vivamente. Afastei-me um pouco e perguntei a um velho negro que significava aquilo. Foi xangô que "desceu", respondeu-me ele calmamente.

Daí por diante, associei no meu espírito aquele nome a tudo que de misterioso podia existir dentro dos "terreiros". Xangô passou a ser para mim a própria personificação do mistério, da feitiçaria, da bruxaria, de tudo que de sobrenatural ou mágico pudesse encerrar a vida dos "terreiros".

Ainda hoje, tenho a impressão de que essa mesma associação fazem todos que não conhecem as seitas africanas

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