Selvagens amáveis - Um antropologista entre os índios Urubus do Brasil

nem mesmo flertando com elas... Chico ficou vermelho, mas divertiu-se.

Gastamos três ou quatro dias desse modo, olhando a chuva cair, bebendo chibé após chibé, e falando, tranquilamente, uns com os outros, sobre qualquer assunto.

À noitinha, Chico e Alexandre se reuniam e cantavam canções xamânicas, acompanhando-os toda a aldeia, em coro. Cantavam melhor aqui que na cabana de Pari, e as noites eram um sucesso, pois aconteciam cousas estranhas: um jovem vira um fantasma perfumado, por exemplo, e Antônio-hu vira o espírito de uma cobra branca com pintas nas costas. Cantávamos toda a noite e dormíamos até meio-dia. Em seguida íamos caçar eu e Antônio-hu - macacos guinchadores, ou Alexandre ia sozinho caçar paca. Passávamos o resto do dia comendo e conversando.

Na última noite, dançamos. Foi uma dança sem formalidades - sem cauim, sem penas, sem pinturas. É que as danças, embora muito usadas nas cerimônias, são atualmente realizadas para divertimento. Um grande fogo, aceso no espaço aberto entre as cabanas, iluminava tudo com fulgor vermelho e trêmulo. Então as moças, com Saracacá à frente, fizeram fila e deram-se as mãos. Após algumas risadinhas e cotoveladas, começou Saracacá a cantar a canção do pato, que as outras acompanhavam hesitantes. Iniciou-se a dança. Curvaram ligeiramente as costas, de modo que o cabelo caísse e lhes protegesse o rosto, dando passos à frente. Paravam, então, curvavam-se para a frente e para cima, recuavam e, mais uma vez, avançavam. Logo após criaram coragem e começaram a canção do pato, tal como deve ser cantada, em voz alta e vigorosa e que, de notas repetidas, baixas, murmurantes, salta para gritos melódicos que fazem parte da toada. Tornou-se a dança menos formal. Dirigindo-a, mantinha Saracacá o braço livre acima da cabeça, apontando os

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