Somente o desconhecimento da história da língua ou a má-fé podem levar à negação desses factos meridianos, dessas consequências impostas pelas operações mais elementares da lógica.
Noutro setor, mostramos também que não colhe o argumento dos que, considerando as profundas semelhanças entre o nosso idioma e o português, entendem que a língua nacional é a portuguesa.
Do ponto de vista da ciência filológica, todas as línguas românicas são latim. Com rigor científico, o português é latim. Ensinam os mestres em Portugal que se não deve dizer que um vocábulo português vem do latim. A palavra portuguesa é ainda a mesma palavra latina, numa das fases da evolução da língua do Lácio.
Nenhum capítulo da nossa filologia está mais cheio de artificialidades, de preconceitos, de convenções que atentam contra a verdade, a crítica e a história, do que o concernente aos clássicos portugueses e à preocupação de elevar a sua escrita à condição suprema de padrão intangível no domínio das nossas letras. Contra essa maneira de pensar se erguem as normas da arte de escrever, a vida e a evolução das línguas, toda a força irresistível das cousas naturais.
Um dos aspectos mais curiosos da história da língua é o que se refere à vernaculidade. Nada mais extravagante do que os critérios adotados no que tange às normas da "boa e genuína e sã linguagem".
A escrita dos clássicos não teve nunca a pureza, a vernaculidade que os devotos admiradores lhe têm emprestado. A própria língua portuguesa nunca teve, em tempo algum, esse espírito castiço.
O português formou-se do latim popular - o elemento predominante -, do germânico e do árabe. E desde o século XI ao século XIII, desde os primeiros tempos do condado portugalense, grande foi a influência do francês e do provençal, não só no vocabulário como na própria fonologia.