delirava, a declaração que ele não faria no pleno gôzo de suas poderosas faculdades mentais e por isso hesitei muito em consentir que se lhe aproximasse um sacerdote sem que o enfêrmo mostrasse desejar os socorros espirituais. V. R., porém, era desde muitos anos amigo de meu Pai, freqüentava a nossa casa e ainda num dos últimos dias, visitando-o, recebeu dele, como de outras vezes, demonstrações de profundo respeito e entranhada estima. Por esta razão e neste caráter, foi a V. R. concedido, na manhã de 1º de novembro, aproximar-se do enfêrmo. Não julguei porém que ia tratar-se de confissão sem que ele houvesse sido consultado ou prevenido e só por isso deixei de pedir a V. R., como era da minha intenção fazer, que no estado de perturbação intelectual em que se achava meu Pai, não lhe exigisse declarações que pudessem parecer desconformes das convicções que ele manifestara e defendera em toda sua vida.
V. R. compreende quanto deve penalizar-me a necessidade a que me sinto obrigado de relatar circunstâncias de tão triste recordação. Farei entretanto esfôrço sobre mim mesmo para nada omitir sobre o que deve saber-se.
Desde a noite de 30 de outubro meu Pai entrou em delírio, tendo-se-lhe manifestado a meningite; neste estado, mostrou apenas um ou outro intervalo reputado lúcido. A 1º de novembro seriam 8 1/2 horas da manhã, fazendo V. R. o caridoso obséquio de aqui aparecer, acompanhei-o ao aposento onde meu Pai jazia no leito de agonia, e aí se achavam os Srs. Dr. Catta Preta, médico assistente, Dr. Pedro Afonso Ferreira, meu cunhado; Alfredo da Silva Paranhos, meu irmão menor; João Rodrigo de Souza Faria, meu primo; Jacob Gross, antigo criado de meu Pai e seu amigo e Victorio Lackens, criado do referido Dr. Pedro Afonso.
Eis então o que se passou, segundo a minha memória e a das pessoas presentes:
Aproximando-se V. R. do enfermo, este deu mostras de o reconhecer, porque estendeu a mão direita e tentou beijar a de V. R., como costumava fazer quando V. R. o visitava. Ato contínuo, V. R. dirigiu-lhe estas três interrogações:
- Exmo. Sr. Visconde, V. E. arrepende-se de todos os pecados que cometeu por pensamentos, palavras e obras?
- V. E. crê em tudo que manda crer a Santa Igreja Católica Apostólica Romana?
- V. E. condena tudo que a Santa Madre Igreja condena e manda condenar?
À primeira interrogação o enfêrmo respondeu claramente; Sim. À segunda, pareceu-me que a resposta fora também afirmativa. À terceira, a resposta foi absolutamente ininteligível para todos que ali nos achávamos.
Então V. R. recitou uma oração, fez o sinal da absolvição e depois de beijar a testa do enfêrmo, retirou-se.
Durante as horas que se seguiram, apenas três vezes meu Pai proferiu frases inteligíveis; foi a primeira ao apertarem-lhe a mão os Srs.