Poder local na República Velha

Qualquer manifestação de oposição política - oposição apenas no sentido local, vocábulo que significa exclusivamente luta pelo poder, despida de qualquer conteúdo ideológico que permita distinguir aspirações antagônicas ou mesmo vagamente diversas das almejadas pelo situacionismo — era impiedosamente e por todos os recursos e meios sufocada. E era exatamente quando essas manifestações oposicionistas alcançavam um certo grau de vigor, conseguido graças ao eventual equilíbrio de forças, provocando o acirramento de rivalidades, que ocorriam os atos de violência tão comuns na política municipal da República Velha. Os episódios de Araraquara estão nesse caso e a excepcionalidade que eles representam se explica muito mais pela repercussão que tiveram os crimes, do que pelos crimes propriamente ditos. Não há negar que, para o nosso Estado, a forma como a revanche foi perpetrada — arrombamento da cadeia em horas avançadas, por numeroso grupo a fim de qualificar os crimes como produto de manifestação popular incontrolável não era das mais comuns.

Sem menosprezar a truculência, a repercussão do caso vai se dever, antes, a outros fatores que se inter-relacionam. O mais direto deles foi a presença, como principal dos acusados, do Dr. Teodoro de Carvalho, genro do chefe político assassinado, figura de alta projeção no cenário público do Estado, que atuara até há pouco de modo bastante ativo na administração de Bernardino de Campos, em período de ebulição política como foram os primeiros anos do novo regime, conquistando, inevitavelmente, inimigos implacáveis. O segundo fator foi a exploração política de que os fatos foram pretextos, num período, repitamos, agitado: o novo regime, em fase de afirmação, sofria os rigores da oposição monarquista, de um lado, e padecia do enfraquecimento decorrente das cisões e oposições nas próprias hostes republicanas. Não resta dúvida que, se o advento da República foi de nula significação como revolução social, o que de resto não estava nos planos de ninguém na época, da mudança de regime decorreu a necessidade de consideráveis recomposições nos quadros políticos. Assim, nos anos finais do século XIX viveram o vigoroso embate resultante do inevitável confronto de forças, a fim de que novas lideranças oligárquicas se cristalizassem, mesmo que a custa de composições com os velhos grupos de poder. A ocorrência e a repercussão dos crimes de Araraquara, são, pois, explicáveis, também, por esse rearranjo político em níveis regionais e locais. Um terceiro fator, que explica a retumbância do caso, foi a atuação da imprensa. Os jornais, a serviço dos grupos, logo assumiram posição contra ou a favor do Dr. Teodoro; contra ou a favor da Monarquia, da República ou de facções. Num regime da mais extremada liberdade

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