Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821)

pois formavam como um corpo de doutrina, seguido com maior ou menor coerência por todas as potências colonizadoras da época, chegaram entretanto a assumir feições quase caricaturais em Portugal nos anos que se seguiram imediatamente à viradeira. A célebre proibição, em 1785, de manufaturas no Brasil, que não fossem além das "grosserias" de algodão para os escravos, cujo alcance e efeito têm sido com frequência exagerados, conseguiu sempre inflamar brios nativistas entre nós. Mais significativa, porém, é a mentalidade que, em certos círculos oficiais de Lisboa, principalmente logo depois da queda de Pombal, se acha à base de medidas semelhantes. Como exemplo pode lembrar-se um documento de 8 de julho de 1779, que encontrei na Biblioteca e Arquivo Público de Cuiabá, em que o marquês de Angeja, presidente do Real Erário, diretor supremo dos negócios públicos e ministro assistente ao despacho, sob D. Maria I, anuncia em nome da mesma senhora a Luís de Albuquerque, capitão-general de Mato Grosso, que se reduzirão ao mínimo os subsídios que se destinavam a guarnecer as fronteiras daquela capitania com as possessões de Castela, alegando que - são palavras suas - as "Collonias he que devem dar auxílio à Capital, e não esta às Collonias". Observa que tais subsídios, tirados às rendas de Goiás, em prejuízo, por conseguinte, do real fisco, já tinham tido tempo suficiente de atender aos fins a que se destinavam. Dois meses depois, a 10 de setembro do mesmo ano de 79, em instruções dadas ao governador da Bahia, manda-se de Lisboa que em tudo se dê ali a preferência aos portugueses, "da mesma sorte que a Capital e os seus Habitantes e devem ter em toda parte sobre as Collonias e os Habitantes dellas".

A crueza de manifestações como essas, em que se exacerba o velho sistema colonial, vai mitigar-se aos poucos, em parte por obra da própria rainha e depois de D. João príncipe e rei, mas também por influência de ministros como Luís Pinto de Sousa, que residiu longamente no Brasil ou de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o futuro conde de Linhares, afilhado de Pombal e que sempre se mostrou interessado na promoção do desenvolvimento da América Portuguesa, embora o fizesse com um afinco de onde repontam, não raro, tendências megalomaníacas. Nenhum desses homens se aparta, contudo, da mentalidade que ditou a politica mercantilista com relação às colônias, e o próprio Linhares, tão preocupado com os meios de fazer prosperar o Brasil e tão afeiçoado a coisas inglesas, se mostrou cético, pelo menos antes de 1808, quanto à vantagem de se adotar nas colônias lusitanas o liberalismo econômico,

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