efeitos da "fatal experiência da França", pois acha que o homem só deve procurar sua felicidade "na obediência às leis, aos imperantes e autoridades legitimamente constituídas" e, "sem temer de ser tachado de servilismo, de que eram notados os que se propunham pugnar pelas pessoas de grande hierarquia". Não admira que ainda afirme sua inconcussa fé monárquica, seu respeito ao decoro da "sereníssima e real família de Bragança", e sua glória de ter sido o primeiro deputado, nas Cortes, a votar contra as humilhações a que se procurava sujeitar a rainha D. Carlota Joaquina. E em vários dos seus pronunciamentos, até em muitas omissões nas Cortes, não se mostra Barata menos conservador do que Antônio Carlos, por sinal o mais imoderado dos Andradas, cujo manifesto, redigido em Falmouth contra a "canalha jacobina" bem poderia ser escrito por um fervoroso adepto do antigo regime. E que dizer de frei Caneca, o mártir de 1824, duas vezes rebelde, que não hesita em dar a vida por suas convicções liberais mas que combina esse liberalismo com um fundo desapreço pela gente popular e sobretudo com seu acentuado preconceito racial. Numa província como a sua, onde a população era composta largamente de homens de cor, parece própria essa atitude de um adepto da soberania do povo?
No próprio movimento de 1817, em Pernambuco, é difícil vislumbrar aliás conteúdo verdadeiramente revolucionário. Tratando-se, em suma, de uma rebelião de magnatas, por estes dirigida ou acalentada, fórmulas sediciosas, até republicanas, de que abusa, servem apenas para mascarar uma realidade velha, de mais de cem anos, do tempo das lutas contra os "mascates". Por mais de um aspeto, até pela farsa montada para simular uma escolha democrática dos governantes e pelo medo de precisar admitir participação ampla das massas, mormente da gente de cor, seus chefes parecem antes de tudo empenhados em dar apenas cor nova às antigas tiranias e opressões. E o resultado seria antes um retrocesso do que uma antecipação. Mais verdadeiramente radical, a agitação ocorrida 20 anos antes na Bahia, com a chamada conjura dos alfaiates, não surge entre elites, mas entre artesãos pobres e mestiços. Provocado em grande parte por esperanças mentirosas, reflexo de aspirações ainda mal articuladas, o movimento baiano representa uma revolução natimorta. Mostra, entretanto, como até o mundo da "cultura implícita" de que trata este livro não é um mundo inerte, simplesmente folclórico, mas tem olhos fitos no futuro, quando menos no fantasma do futuro, e pode ser um fator letárgico de mudanças maiores.