Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821)

A possibilidade de partir da distinção entre as culturas implícita e explícita, de que trata Maria Beatriz Nizza da Silva para diferentes territórios, inclusive o território da política, indica a riqueza e variedade de perspectivas sugeridas por sua abordagem da matéria histórica. Lembra-me muito aquela história em dois níveis, ou em duas formas rítmicas que descreveu Otto Hintze, um dos historiadores mais notáveis de nossos dias, semelhantes aos três ritmos que definiria Fernand Braudel. Hintze, que morreu em 1940 e cujas obras completas saíram nos dois anos seguintes, em plena guerra, o que, segundo escreveu o mesmo Braudel, a impediria de alcançar a repercussão que merecia, distingue, com efeito, um ritmo histórico que se passa sobretudo no domínio do inconsciente, e que seria o ritmo evolutivo. O outro ritmo, a que chama dialético, prende-se antes a fatores conscientes. Enquanto o primeiro se caracteriza por um movimento mais vagaroso, porém coerente e constante, o segundo se manifesta em contrastes ríspidos, que reiteradamente vão emergindo e imergindo. E assim como Braudel apela para a analogia das águas fundas e águas de superfície, para marcar a diferença entre uma História lentamente ritmada, onde cabem as estruturas e a longa duração, ou o prazo longo, e outra, feita de acontecimentos instantâneos, imprevistos e vibráteis - a história événementielle, em suma -, Hintze vai buscar os termos de comparação na geologia antiga, onde se destacam as teorias divergentes dos netunistas e vulcanistas. "Aqui, escreve, opera a força lenta e constante das águas, a produzir as estratificações sedimentares, ali agem os efeitos súbitos, explosivos, das forças vulcânicas, com suas formações eruptivas e cristalinas."

É certo que entre a distinção que neste livro se marca da cultura implícita e da explícita, e as duas formas rítmicas de Hintze, há diferenças importantes, apesar das similitudes de aparência. E se a primeira, a cultura implícita e não verbalizada, pode de certo modo relacionar-se com o ritmo evolutivo do autor alemão, que é assimilado por ele à geologia netunista, a segunda, que se refere mais particularmente às várias áreas do saber, ao mundo cuja voz articulada é mais acessível à pesquisa histórica, se distancia da definição do ritmo "dialético" de Hintze, que envolve não só, ou não precisamente, essas áreas do saber, mas o mundo da história fatual ou eventual, da definição de Simiand, que muitos autores, particularmente os historiadores da "escola" dos Alindes, tendem a relegar a um segundo plano. O mesmo Hintze não se mostra menos desdenhoso, aliás, dessa história

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