a minha montada, um morzelo de nome romântico: "Sonho". A meu lado, o Padre Colbacchini, jovem missionário, temperamento vibrátil de artista e de vêneto, em quem o atavismo aventureiro dos mareantes, que fizeram grande a sua gentilíssima terra, noiva do mar, parece-lhe repontar no espírito de bandeirante moderno, em pleno sertão mato-grossense.
Ia-me ali a alma toda em uma das mais profundas emoções da viagem. Não era o legendário rio do Anhanguera, que assim me atraia e fascinava; não eram as misteriosas minas dos "Martírios"; nem o mal conhecido rio D. Marcos de Noronha, nem a mina solitária dos Araés, nem o Berocan dos Carajás; era a "Terra dos Bororos", como eles próprios antonomasticamente lhe chamam: Boemóto.
E com razão. Fora aquele rio o último reduto da tribo, que batida, do Araguaia ao Garças, lá se refugiara definitivamente. De lá, frementes de vingança, romperam as sortidas tremendas, que eriçaram de cruzes fúnebres aquele risonho planalto oriental, de tão frescas águas límpidas e cantantes.
De lá partira também a investida guerreira, que devia arrasar a primeira barraca missionária, espalmada, de súbito, em uma bela tarde, como desmesurada garça, à beira do ribeirão dos Tachos. Nova horda de Átila, estacou, porém, diante da Cruz. Aqueles brancos ou baráe rondados longamente por invisíveis espiões selvagens, denotaram-lhes, desde logo, algo de estranho.
Viram, ao depois, que eram diferentes dos demais, os verdadeiros abarés dos Tupis, expressivo termo indígena, que vale, por si só, a mais formosa apologia do catequista católico. Com eles firmaram amizade, aceitando até conviverem juntos sob o mesmo teto. Assim raiava, auspiciosamente, a cataquese salesiana em Mato Grosso.
Refazíamos então o mesmo trilho daquelas marchas estratégicas, e os índios mais velhos diziam-nos os episódios das cautelosas retiradas, em que, para não deixarem traidores rastos, palmilhavam, longo tempo, o leito cascalhudo e escuso dos córregos. Eis-nos, enfim, à beira do rio das Mortes, o Pocurirêu (água ou rio grande) dos Bororos. Ah, a barra do Pô-ecurêu (rio amarelo), a que os missionários apelidaram de S. Marcos; mais a jusante, o Bacogúma-braddo (ninho do gavião), O S. Luiz dos missionários.
Além, a cachoeira grande da Fumaça...
Estávamos à sombra do mesmo arvoredo, rendilhado em flabelos de buritis, que testemunhara, tantas vezes, ao manso luar do sertão, estrugindo monotonamente no bai-managuegeu (espécie de "salão de atos" das aldeias), bárbaras danças e cantos, a preludiarem no rito vesperal, as grandes caças ao jaguar, ao tapir, aos porcos, ao civilizado... Que magnífico cenário para uma ilíada selvagem!
Quando voltei, homens e mulheres e crianças, todos interrogavam-me ansiosamente como eu achara a "Terra dos Bororos". Boemóto pemegáre! (a terra dos bororos é linda!) respondia-lhes eu. E eles, arregalando amplamente os olhos rasos de ternura, e levantando