Não era para dizer, para falar, para fazer assim somente, mas em vão, eu não pude falar muito mais, porque meus olhos, minha cabeça, meus ouvidos não são fortes, meus olhos tremem muito, minhas orelhas mexem muito, por isso muitas cousas não pude alcançar.
Entretanto mesmo assim digo, falo e faço, mas o motivo é que assim falo e digo as cousas que faziam os bororos, que diziam os bororos, que falavam os bororos.
E por isso assim eu falei. É para que eu dissesse assim a eles (aos missionários), assim falasse a eles, para os meus chefes os padres é que Aquele que os mandou para ensinar, Aquele que me olha, que me guia, o meu chefe do céu, o Deus, o que ele me fazia ensinar, falar, ficava logo gravado nos meus olhos, nos meus ouvidos, na minha cabeça e por isso fiquei descansado assim de ver que eu lhes mostrei tudo o que faziam e diziam os bororos.
Não todas as cousas pude dizer e mencionar, mas todas as cousas que sabia lhes ensinei. Lembrei logo os meus velhos chefes. Lembrei aquele bendito e bondoso padre João Balzola, aquele Dom Antonio Malan, deles eu me lembrava. Destes, os bororos nunca se esquecerão. Eu desejaria que nada acontecesse, que não houvesse fogo (inferno), que não existissem os diabos, que a gente corresse só para o céu e assim todos veriam a eles novamente.
Mas eu não desejo, não quero cousas más, eu quero que todos vão lá com eles no céu onde está o nosso chefe (Deus).
E estes que ainda estão aqui, que ainda caminham, que ainda vivem com os bororos oh! Deus! protegei-os, guardai-os, encaminhai-os, fazei-os caminhar bem, fazei cair sobre eles cousa vermelha (a luz), cousa lampejante, cousa brilhante, cousa bonita como flor de para-tudo, porque tenho dó deles, do que estão fazendo, dizendo, falando para nós e para não trabalhar sem fruto.
E assim suas cousas, seus dizeres, suas palavras passem sobre nós como o fogo que queima a mata, o campo, o grande capim, o capim-navalha, o taquaral, o cipó-cascudo e nós os sigamos no caminho que nos ensinam e assim eles ficarão satisfeitos de ter-nos afastado do que nós pensávamos, do que nos entendíamos da nossa falsa vereda, do nosso falso caminho. Estarão satisfeitos de nos ter tirado de tudo isso. Assim seja, se faça o que digo - Disse eu, quando estava no Sangradouro.
Tiago Marques Akirío Boróro Keggéu
19 de dezembro de 1939.