História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

fidalga e perigosa, o Provador do manjar real, tentando evitar o envenenamento, cargo que atravessou todo século XVIII pela Ásia e Europa e veio a 1908, na Turquia de Abdul Hamid.

Durante o reinado de D. João IV de Portugal, 1640-1656, as instruções eram estas: "Antes das iguarias irem para a mesa, tomará o veador da semana a salva, para o que um reposteiro da casa porá em um prato pequeno à roda umas fatias de pão delgadas e do tamanho de um dedo e o chegará ao veador tendo-o na mão e não o pondo na copa, e ele com as fatias irá tocando em cada uma das iguarias e provando-as". O Provador fora sendo parcialmente substituído pelas épreuves, minerais, ágata, jaspe, mármore ofito, hematitas, o sílex das flechas pré-históricas, dentes fósseis do lobo marinho, do tubarão, o marfim do narval, denominado chifre de unicórnio, engastados em ouro, pendentes das correntes da languière, substâncias que mudariam de cor ao contato dos tóxicos. Era a falência sentimental e política do cozinheiro.

O bandoleiro Lampião (1898-1938) não se separava de uma colherzinha de prata que o avisaria se o café contivesse veneno. Ainda hoje os familiares provam os alimentos das crianças e dos valetudinários.

O ensino da arte de cozinha reduz-se à cozinha "artística" e essencialmente à doçaria. O trivial básico foi abandonado pela curiosidade das "filhas-famílias" de alta e mediana sociedade. Aprender a cozinhar é dever das moças humildes e pobres, compelidas ao papel de auxiliares maternas. A menina que cursa o ginásio liberta-se da penitência compulsória. Está estudando, e não cabe mais na cozinha doméstica. A rainha Vitória completou a educação das filhas fazendo-as aprender todos os pratos tradicionais da Inglaterra. A filha única do último imperador da Alemanha era cozinheira exímia. Aliás, o derradeiro Kaiser dizia-se partidário dos quatro K como limites da atividade normal da mulher alemã, Kirche, Küche, Kind, Kleidung, igreja, cozinha, criança, roupa.

As crianças não brincam de cozinhado, "fazer comida", como amava fazer Luís XV aos seis anos de idade e Alexandre Dumas pai a vida inteira. Divertimento favorito no Japão, segundo Finnemore. Desapareceram das casas de brinquedo, os fogões minúsculos e as pequeninas baterias de cozinha, ainda disputadas pelas meninas de ontem. As lindas Puppenküchen de Nurenberg brincam com encouraçados, aviões de bombardeio metralhadoras

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