Ainda na Inglaterra do século XV houve o episódio de Lambert Simnel, impostor que se fez coroar na catedral de Dublin como Eduardo VI e desembarcou no Lancashire com um exército de irlandeses, esmagado em Stoke-on-Trent, 1487. Henrique VII, Tudor, tirou-o da prisão para fazê-lo um dos seus cozinheiros. Simnel para a cozinha e não para o trono nascera. Morreu despenseiro do visconde Lowell em 1534, feliz, velho, farto, gordo. Vitorioso, sagrado em Westminster, seria rei da Inglaterra pelo rito e ilegítimo pela vocação. Cozinheiro é que ele era.
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Dos nossos sentidos, órgãos da percepção fisiológica, o que parece ter genericamente regredido é o paladar. Vista, olfato, tato, audição, revelam as diferenças, irregularidades, carências no objeto examinado. Revelam quase instintivamente. Penso que a força da atenção, que é única, tendo que atender às solicitações mais insistentes de outras faculdades, mais ligadas ao interesse da vida social contemporânea, favorece parcimoniosamente ao sentido do gosto, relegando-o ao mecanismo da deglutição e, de forma comum, dispensando-o da velha acuidade identificadora dos elementos sápidos. Habitualmente o nome do prato é suficiente para sua autenticidade. Com modificações mínimas, a mesma sopa é servida sob dez títulos. Mudam os cunhos sobre o mesmo metal, elevando o valor intrínseco da moeda. O volume da "procura" desculpa os cuidados legitimadores do produto, a ausência do emprego que seria indispensável.
Raramente os grandes restaurantes, intensamente procurados, podem manter a pureza dos quitutes oferecidos. A brevidade da refeição, o número de fregueses aguardando lugar, o desinteresse pelo anônimo que pergunta pormenores culinários, tomando tempo, a massa dos habituais garantindo o lucro, explicam a desvantagem das elaborações minuciosas e preparatórias e a ausência de elementos outrora essenciais. Substituem, dispensam, suprimem. Ninguém dá pela simulação que os ornamentos disfarçam e o gosto pessoal já não denuncia a mutilação.
Qualquer alteração numa linha melódica conhecida, num ritmo cadenciador, num ângulo de pintura, num perfume preferido, a insistência de um mau odor, numa solução de continuidade plástica, provocam a observação imediata e natural. Os órgãos agem como sentinelas vigilantes e fiéis, libertando os sentidos verificadores como a uma matilha de galgos no rasto da lebre. O paladar, não tem quem o defenda naqueles que o perderam,