no embotamento mecânico das refeições distraídas, no automatismo displicente e diário.
"Passa e repassa a aborrecida trama
Nas mãos do Tecelão indiferente..."
Os paladares sobreviventes na aristocracia do sabor sempre foram uma gloriosa minoria que, como na velha canção popular, nasce feita, sendo vocação, experiência, intuição, em sensibilidade, finura, delicadeza, inexplicáveis e normais. São, naturalmente, tão invulgares e tão poucos que, às vezes, uma cidade, imensa em população, não conta nenhum deles. São os heróis desconhecidos do bom gosto. Essa aptidão fica na intimidade dos amigos eleitos pela irmandade estética, ciosos na ocultação da virtude quanto outros publicando os vícios. No dilúvio das reportagens, esses gourmets escapam às batucadas da notoriedade. Em São Paulo, desmarcado e trepidante, há o panorama sedutor dos restaurantes ilustres, nome de bons apetites, fixado pelo inimitável Leonardo Arroyo(303) Nota do Autor, evidenciando a raridade dos verdadeiros e silenciosos sibaritas por temperamento e não por imitação.
Um índice disto é o número de livros sobre a cozinha brasileira, com base na pesquisa e na informação histórica, ser extremamente reduzido, difícil de leitura e confundido com as coleções de receitas, de todas as procedências. Exceto a Bahia, as demais províncias não têm interesse no registro de sua culinária tradicional, lamentavelmente omissa como fonte de consulta.
Os pitéus mais vulgares, antiquíssimos e comuns, podem desaparecer da preferência popular e mesmo social. O ganso (Anas anser) até poucos anos era apreciadíssimo. Um pouco menos do que o pato. São as aves do Natal europeu. A ceia infalível e sagrada antes da Missa do Galo em Portugal. Não conseguiram derrotar o domínio do peru ameríndio, invencível e mesmo conquistador na Europa. Nem obtiveram, ganso e pato, vantagens na cotidianidade do consumo.
Outra excelência era o pavão, oferecido nas festas espaventosas, fiéis ao protocolo dos banquetes históricos europeus, desde a Idade Média. Na "última festa da monarquia", o baile na Ilha Fiscal, 9 de novembro de 1889, comeram dezoito pavões. Não o reencontrei lendo os cardápios dos banquetes solenes depois dessa data. Na série festiva com que se comemorou o centenário da Independência (1922) o pavão esteve ausente. José Mariano Filho disse-me haver provado o pavão e a, carne era