Considerava-se erro imperdoável e capital o convidado sair imediatamente depois da refeição. Viera para a comida e não para a convivência. Passava para a classe dos dispensáveis. Capistrano de Abreu(158) Nota do Autor recordava uma anedota de José Antônio Saraiva (1823-1895), senador do Império e, desgraçadamente para ele, também da República: "O velho Saraiva, quando com ele jantava alguém de quem gostava, que queria sair logo depois da refeição, protestava: pague primeiro o que comeu, em conversa!" Indispensáveis as razões convincentes para que a retirada fosse permitida.
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O ambiente da Cozinha era um apaixonante motivo de Arte. A fixação artística, com Strozzi, Dürer, Mières, Dow, Snyders, Murilo, Teniers, Lancret, Troy, Steen, Rembrandt, Chardin, Mouginot, vinte outros, constituiu tema inacabável para os mestres flamengos, holandeses, alemães. Quem não recorda a cozinheira de Metzu, descascando batatas, a de Dow, cortando cebolas, a de Snyders, preparando a galinha? O provisions de buche, de Chardin? O déjeuner de jambon, de Lancret, a boda camponesa de Peter Bruegel, o Velho, onde há broas e papas, vinho em cântaros e gaita de foles, o déjeuner d'huîtres, de J. F. de Troy, que Luís XV mandou pintar na sua petite salle à manger, em Versailles? A interminável série dos intérieurs de cuisine, disputada pelos amadores e orgulho dos museus?
O assunto foi decrescendo, apagando-se, saindo das telas. Os artistas preferiram consumir os produtos a recordar a produtora inesgotável. As refeições coletivas perderam o interesse sugestionador para os pintores. Nunca mais uma "kermesse" de Rubens ou Teniers, um "banquete da Guarda Cívica", de Van der Helst. Os banquetes e as "kermesses" não morreram, bem sabemos.
A Cozinha é realmente uma arte, mas uma Arte Menor.
Costureiros, sapateiros, cabeleireiros, perfumistas, denominam criações seus trabalhos, disputando lugar nas revistas ilustradas, ao lado e a par com os assuntos preferenciais do momento. O velho soberano das cozinhas continua, como a rainha das abelhas, invisível e fecundo nas profundezas da colmeia palpitante. Perdeu o ritmo gravitador ao derredor dessa clase de emanaciones impresas, de que falava Ortega y Gasset. Suas obras-primas, mais efêmeras que as rosas, nem o espaço de uma manhã resistem na visão exterior dos apreciadores.