e, depois do Descobrimento, do gado bovino, equino e mesmo asinino, esses últimos legítimos tabus alimentares para o povo.
Não comer o animal morto, o bíblico Quidquid autem morticinum est, ne vescamini ex eo, e que antes fora ordenado no Levítico (17, 15), rege a proibição no Brasil, vinda de Portugal. Desapareceu inteiramente a restrição religiosa transformada em aversão higiênica e relutância profilática, exceto nos dias angustiosos de fome absoluta. Em Portugal existe a mesma tradição. Tratando-se de lebres e coelhos apanhados em armadilhas, estando mortos, não serão utilizados se o corpo já esfriou. Estando ainda quente, a morte é recente e passável como alimento, para os menos exigentes.
É, pois, evidente o mata e come, devocional outrora e hoje noção consuetudinária de repulsão alimentar.
Outro tabu é o sangue. No Levítico (17, 14) era formal o sagrado impedimento: Sanguinem universae carnis non comedetis. O sangue era a alma da carne, anima carnis in sanguine est, e quem o comesse pereceria, interibit. A lei era clara: "Não comereis o sangue de nenhuma carne". Os judeus ortodoxos cumprem fielmente o divino preceito.
Nenhum sertanejo por todo o Nordeste brasileiro, justamente a região da pastorícia, comia carne sangrenta, o bife mal passado à inglesa, o roast-beef.
Nunca vi carne com sangue em mesa alguma do velho sertão. Da Bahia ao Piauí. Assado, cozido, refogado, frito, não trazia mais sangue. Fora exemplo português frutificando no Brasil. Júlio Dinis, escrevendo o jantar de João Semana, há mais de cem anos, 1863, no Douro, denunciava o costume lusitano, fazendo o velho médico servir-se de uma porção de roast-beef, não revendo sangue sob a faca, à moda inglesa, mas portuguesmente assado, e como estou convencido assavam os seus carneiros aqueles heróis da Ilíada(300) Nota do Autor.
Em Portugal essa permanência não será presença do Levítico mas o próprio costume milenar de carne assada dos animais de monte, as caças cujo sabor se revela na tostação adequada e sábia pelo uso tantas vezes secular.
Para o Brasil, não tendo os indígenas esse critério repulsivo pelo sangue, e as tribos mais primárias, como os Botocudos da Bahia, saboreavam pedaços meio crua, e muitas vezes a correr ainda sangue, como anotou o príncipe de Wied-Neuwied(42) Nota do Autor, menos ainda os escravos vindos em maioria da África Ocidental,