História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

Comer: supor, presumir, julgar. "Eu o comia por médico e era um charlatão." Explica-se o estado psicológico ou a situação social pela espécie alimentar. "Comendo pimentas", furioso, decepcionado, cheio de ira. "Comendo areia", desempregado, faminto, azarado. "Comendo barata", enfrentando dificuldades, fatos desagradáveis. "Comendo fogo", ambiente hostil, áspero, antipático. "Comendo água", embriagando-se. "Comendo prego", na batalha pela manutenção. "Comer rama", embebedar-se. "Comer verbena", beber cachaça. "Comer pedras", "comer queijo de brisa", sem meios de subsistência. "Come longe", indivíduo pálido, macerado, hipoêmico. "Comer insosso", amarguras diárias, sucessivas. "Comer com a testa", não conseguir, falhar o plano e vê-lo realizado por outrem. "Comer couro", ser surrado, sovado. "Comer calado", pacientemente. "Comer safado", contrariedades, contratempos. "Comer brisa", passar fome, não querer comer. "Comer da banda podre", adversidades. "Comer brocha", o mesmo que "comendo pregos". "Comer", copular. A fecundação por via oral é uma tradição mitológica, mantida nas versões populares a menção de ervas e frutos que engravidam. "Comer gerumba", suportar trabalhos pesados, curtir desapontamentos, forçado pelas conveniências, ou pela necessidade, e análogos estados d'alma(249) Nota do Autor. "Comendo corda", acreditando em mentiras. "Comeu junça", sexualmente forte. A junça, Cyperus esculentus Linneu, dizem ser tônico afrodisíaco, nos tubérculos terminais das raízes. "Comer salgado", enfrentar situação dificultosa, precariedades.

Confeito: decoração açucarada nos bolos de festa. Remate, coroação, para findar. "Para confeito da questão, não me pagou!"

"Para confeito da obra

Uma viola na mão."

Cuscuz: seios flácidos, disfarçados sob a blusa.

Dendê: coisa gostosa, apreciável, pitéu, excelente. "Fêz ontem o seu dendê em frente à nossa tenda de trabalho o velho maracatu Porto Rico", noticiava no Recife o jornal Pernambuco, n.° 104, 1914(100) Nota do Autor. Dificuldade, empecilho, obstáculo; "aí é que está o dendê!"

Derrama-molho: pequena barcaça, estreita ou de boca diminuta(249) Nota do Autor.

Empada: preguiçoso, lerdo, poltrão, negligente. Visita inoportuna.

Farinha: abundância, fartura, quantidade. Gente como farinha.

Farofa: vaidade, presunção, gabolice, mentiras, ostentação falsa. "Farofeiro."

"Por fora muita farofa,

Por dentro mulambo só".

Feijão: comida diária, o trivial, o passadio comum. "Fui serrar os feijões de papai." "Feijão-todo-dia", o ritmo cotidiano, inalterável. "Feijão-com-coco", festa suspeita, confusa; convidados desiguais.

Filé: moça nova, sadia, atraente. Rapaz afeminado.

Fruta: aguardente; "gostar da fruta", cachaceiro. "Fruta verde", mocinha; jovem namorada curiosa de agrados. "Fruta nova", pessoa estranha, estrangeiro. Meretriz recém-chegada. Aplicada ao indivíduo estranho era corrente em Portugal, na primeira metade do século XVI. No Auto da Ave-Maria, Antônio Prestes escreveu:

"D'onde vem a fruta nova

não n'a vi senão agora".

Furrundum: doce de cidra ralada, com rapadura ou açúcar mascavo. Entre os caipiras de São Paulo e fronteiras de Minas Gerais é também discussão, barulho, briga.

História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação - Página 506 - Thumb Visualização
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