Xaréu: o peixe Caranx hippos no vocabulário nordestino valia mentira, invencionice, potoca, conversa mole, imaginação. Todos afirmavam ter ceado xaréu quando a comida fora outra bem diversa. "Comi cação, arrotei xaréu", estribilho de velhíssima canção popular. Ficou o delicioso carangídeo valendo petas e lorotas. Os nascidos na "Cidade Alta" em Natal, têm o apelido de "xarias", comedores de "xaréu". Os da "Cidade Baixa", a Ribeira, são os CANGULEIROS, apreciadores de cangulo. "Pegou xaréu", mentiu.
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Os utensílios da cozinha, o desenvolvimento da técnica culinária, o preparo dos adubos, o arranjo prévio de carnes, peixes, crustáceos, moluscos, aves de capoeira, peças de caça, possuem exigências tradicionais, respeitos, regras que devem ser mantidas para melhor resultado.
O próprio combustível, lenha ou carvão, é motivo supersticioso, sendo escolhido, aceso, extinto, com certas precauções adequadas.
O persignar-se, fazer o "sinal da cruz", ocorria frequentemente como fórmula propiciatória nas velhas cozinheiras, afastando a "tentação" de o demônio vir estragar os alimentos em elaboração. "Tentação" não é a sedução diabólica, mas o ato da intervenção malévola de Satanás, provocando mau humor, a raiva, o desabafo blasfêmico, o pecado da ira.
O fogo mantém o milenar prestígio sagrado. Deve ser respeitado. Não se apaga o lume com água. Acende-se pelas extremidades e não pelo meio. Não se revolve o braseiro com instrumento metálico, já proibido no tempo de Hesíodo. Não se cospe e nem se urina no fogo. Fica-se tuberculoso ou as urinas secam. Quem joga cabelo no fogo, endoidece. Não se pisa a brasa para extingui-la. Varre-se para um canto, deixando-a apagar. A comida demorando a cozer ou assar, viram os tições, de baixo para cima. Não se pragueja acendendo o lume. O Diabo vem ajudar. Não se prepara comida "descomposto", pouca roupa, seminu. A comida esturrica.
As panelas, frigideiras, caçarolas, têm personalidade distinta. Certos alimentos só podem ser feitos em determinadas vasilhas. Mudando, não dão certo. Quando uma panela queima a comida várias vezes, "aveza-se", habitua-se, vicia-se. O remédio é pô-la à parte por imprestável. Só deve mexer uma única pessoa senão desgosta, tira o sabor do acepipe. Mexe-se da direita para a esquerda, primeiro. Depois, às avessas. Não se deixa a colher dentro da panela nem descansando no bordo para não "atrasar",