História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

demorando demasiado a fervura. Não se remexe comida com faca porque "faz mal". Não se bate na beira da panela senão mingua o "de-comer". Bater o testo com força faz perder o gosto do que se cozinha. Não se prova mais de três vezes porque faz o pitéu ficar "agoado", insosso. Experimenta-se jogando a "prova" na boca, não utilizando garfo ou colher para não "destemperar". O caldo custando a engrossar, balança-se a panela três vezes. Não se bate com a colher na panela de arroz ou tacho de canjica porque queimará inevitavelmente.

Comida demorando muito, joga-se sal no fogo ou vira-se os tições ao contrário. Tudo irá depressa. Quando se espreme limão evita-se que os caroços fiquem na comida, dando azar ou fome canina. Pisar, inadvertidamente, com os pés, carvão, pimenta-do-reino, hortaliça verde, provoca barulho em casa. O contra feitiço é atirar ao chão três pitadas de sal. Inchar as bochechas quando o arroz ferve, fá-lo-á crescer. Não se conta o que está na panela porque faz diminuir a comida. A limitação mágica pela contagem é antiquíssimo tabu asiático que passou à Europa.

Fogo feito com papel queimado "não segura o gosto" do quitute. Para entranhar o tempero as verduras são cortadas no sentido longitudinal e as vagens no sentido oblíquo, registra Hildegardes Vianna.

Pedaço de cortiça ou grãos de milho seco, na fervura, fazem amolecer carne dura. Para os grandes assados ficarem "no ponto", a cozinheira benze-se quando os enforna. Chamando pelo Diabo a "força" da comida fica para ele. Deve-se sempre lavar as duas mãos e nunca uma só. É agouro. Quando os tições teimam em pipocar, esturrando, atira-se um dente de alho dentro do fogo. É o Diabo bufando e o alho o afugenta. Quando a fervura retarda muito em "abrir", muda-se a posição da panela e da tampa. Para a massa de bolo crescer, risca-se uma cruz com o polegar. Assando-se bolo, não se batem ovos perto. O bolo não assa e os ovos não crescem. Deixar ficar uma colher na panela de doce, ficará açucarado antes de tempo. Em dia de chuva caldo não engrossa. Galinha arrepiada faz mal à "passarinha" (baço). Quando a comida começa a queimar, põe-se um pouquinho dela na chapa do fogão. "Simpatia."

As mulheres grávidas ou menstruadas sofrem restrições quando cozinham. A mulher "de lua" não bate ovos, não mexe canjica, não tempera galinha, não assa porco. Se assar bolo, esse queima de um lado ou "incrua", ficando uma parte crua no interior.

História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação - Página 513 - Thumb Visualização
Formato
Texto