História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

"Perde a mão" durante o catamênio. A grávida ajuda a fazer crescer a massa dos bolos, arroz, cozidos com verdura, mas não deve assar cousa alguma. Resseca ou incha sem tomar tempero. Não faz linguiça porque apodrece. Não "enche" peru nem recheia galinha. Não "trata" de peixe grande, de couro, nem esmaga pimentas. Não faz sarrabulho nem panelada para não abortar. Não prova comida adubada porque não tem paladar certo, equilibrado, justo. Canjica fica insípida e o sal salga menos na mão de mulher "de lua".

Cozinheira que faz rumor, batendo as panelas e caçarolas, está "catucando" o Demônio. Deixando cair a primeira vasilha que pegar pela manhã, passará o dia azarada. Queimando-se muitas vezes, é porque está devendo rezas às almas do Purgatório. Se queimar a língua, alguém da família está com fome.

Diz-se em Portugal "o que houverdes de comer, não o vejas fazer". No comum a cozinheira é "biqueira", "faz bico ao comer", difícil de paladar embora gorda. "Falta de sal", dizem as colegas.

Ave assada é para homem e cozida para doente. Ao contrário dos peixes que os melhores são cozidos. "Quem a truta come assada e cozida a perdiz, não sabe o que faz nem o que diz" é tradição portuguesa. "Quem faz o peixe é o molho." "Do assado, a crosta." Duas regras para a sequência culinária.

Um almoço de noivado, primeiro jantar oferecido ao jovem casal pelos pais ou sogros, bodas de prata, batizado do primeiro filho ou neto, jantar de homenagem ao governador, bispo diocesano, vitória eleitoral, amigo distante que deseja "provar" a comida da terra, refeições para conquistar apoio político, financeiro ou social, constituíam as grandes demonstrações magistrais das cozinheiras de outrora. Momentos de mostrar quanto sabiam e se a fama era merecida. Hoje encomenda-se o ágape a um bom hotel, baixela, toalhas e "garçons".

Era a hora em que as crendices instintivas convergiam insensivelmente, chamadas pelo reclamo propício. Entrar na cozinha com o pé direito, benzer-se, não deixar cair a primeira vasilha, não tropeçar, cuidar para que a pimenta-do-reino, hortaliça e carvão não fossem pisados. Que as brasas não se espalhassem no solo. Pôr sal no chão. Alho nas chamas. Mãos lavadas em água e vinagre ou sumo de limão. Pouca fala. Pouco barulho. "Quem muito bate, pouco faz." Verificar se a camisa não estava ao avesso e o cós da saia no justo lugar. Azarava tudo, estando ao contrário.

História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação - Página 514 - Thumb Visualização
Formato
Texto