História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação

Havia mesmo uma devoção desaparecida à Santa Zita, que fora cozinheira. Rezavam uma "ave-maria", com os pés descalços, ajoelhando-se junto do fogão, como Santa Zita fizera no século XIII, na cozinha dos Fatinelli em Lucca. Recordo as velhas cozinheiras do passado, Nicácia, Maria Emília (Sinhá Dona), Estefânia (Teté), Josefa Cardoso (Zefinha), rezando a Santa Zita quando preparavam uma comida de responsabilidade em casa de meu Pai, do governador Alberto Maranhão, do industrial Juvino Barreto.

Existe ainda a crendice da "boa mão" e da "má". Ter "boa mão" explica a rapidez e excelência do trabalho. Os ovos batidos aumentam de volume, o assado não queima, o tempero é sempre apurado. Ao contrário, diz-se de quem não tem "boa mão", serviço incompleto, inferior, sem rendimento. Pode haver "boa mão" para carnes e não para peixes, para aves e não para doces. Ter "boa mão de sal" é saber temperar convenientemente. A velha Nicácia(61) Nota do Autor, cozinheira-rainha em Natal de antanho, não tinha "boa mão" na doçaria, o que a desolava.

A razão é não haver uma regra dosimétrica disciplinadora no tocante aos temperos, demora na cocção, tempo no molho, porção do sal ou do açúcar. Tudo depende do instinto, experiência, intuição do cozinheiro. As expressões indicativas, "a gosto", "quanto baste", "à vontade", "o preciso", "o conveniente", intensidade do fogo, "ponto" das caldas, fixam a categoria do artista culinário, único capaz de julgar da oportunidade e poder intervir. As cozinheiras antigas, as mais famosas na região, socorriam-se do arsenal supersticioso para elidir a culpa do insucesso. Daí a frase triste: "errei a mão! não estou com boa mão, hoje"!...

Quando na Bahia se faz "comida de azeite" tira-se sempre um pouquinho e joga-se no matinho verde para os "meninos", São Cosme e São Damião(48) Nota do Autor. Oferecem no dia oblacional, 27 de setembro, um caruru, o "caruru dos meninos", aos santos gêmeos, servida a refeição às crianças na cidade do Salvador e onde o ato se repete pode afirmar-se haver sido levado pelos baianos. No Rio de Janeiro, Cosme e Damião ficam às vezes metidos em pires ou xícaras contendo carne, toucinho, feijão, farinha, porque são égides da abastança doméstica. O mesmo ocorre com Santo Onofre, posto invariavelmente de costas para o devoto, posição de quem entra, e cercado de farinha e grãos de feijão, para quer não faltem os víveres onde é reverenciado o orago(*) Nota do Autor.

História da alimentação no Brasil – 2º volume: sociologia da alimentação - Página 515 - Thumb Visualização
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