O fardo do homem branco. Southey, historiador do Brasil. Com um estudo dos valores ideológicos do império do comércio livre

de Coleridge, escreveu Keats numa carta que, para o poeta laureado, existiam sereias de carne e osso: seriam sereias de sonho, dos muitos sonhos que sonhava, às vezes até em português, e gostava de comentar. Suspeito também que acreditasse piamente na existência das amazonas antigas à beira do rio-mar. Seja como for, o certo é que o fabuloso dessas imaginações não resistia muito, na obra do historiador, ao meticuloso escrutínio a que este sujeitava todas as informações colhidas, criticando-as e fazendo criticá-las por autoridades competentes, ou aconselhando-se com os entendidos sobre as próprias dúvidas e suspeitas. Pretendia, como historiador, usar uma linguagem condensada e "chã como as colunas dóricas". Mas é fora de discussão que suas fantasias parecem bem menos rebarbativas do que algumas teorias de Varnhagen, quando este pretendeu ter demonstrado que os tupis (e carijós) não eram outra coisa senão os antigos cários da Asia Menor transferidos, em épocas imemoriais, para as selvas da América do Sul, ou onde recomenda vivamente a criação de tamanduás, como o remédio mais prático para livrar as nossas lavouras da praga da saúva.

Onde podiam bem afinar o inglês e o sorocabano era, segundo parece, no desamor que votavam ambos às explosões revolucionárias que ameaçavam antigas colônias europeias depois de terem querido engolir a própria Europa. No caso de Varnhagem, sua posição extremamente reacionária tem a ver com um acendrado respeito às hierarquias, confessado a D. Pedro em carta onde pede ao imperador que o não confunda com Herculano, um meio socialista a seu ver, porque "nem quis ser empregado do Estado". No poeta inglês a mesma posição prende-se à ideia de que os movimentos sediciosos servem só para perturbar o curso espontâneo das mudanças necessárias: estas não se impõem à força, no seu entender, mas devem naturalmente amadurecer, até o ponto em que seja inarredável o seu advento. Ele não se mostra mais favorável do que o historiador brasileiro para com a memória dos Inconfidentes de Minas Gerais, e no entanto chega a estigmatizar como "bárbara" e "ultraje à Humanidade" a sentença que condenou o Tiradentes. E explicável semelhante atitude em um tory confesso, do tempo em que os tories ainda não se chamavam conservadores. Entretanto, em sua mocidade se deixou empolgar, como tantos outros ingleses da mesma época, pelas primeiras notícias da Revolução Francesa, e chegou a ver nelas um apelo para a ação. Nelas e, mais ainda, nos escritos de Godwin, que na última década do século XVIII se achou transformado, de um momento para outro, em verdadeiro oráculo, temido de muitos e

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