O fardo do homem branco. Southey, historiador do Brasil. Com um estudo dos valores ideológicos do império do comércio livre

aplaudido por outros devido às suas audácias generosas. Animados por essa pregação, Southey e Coleridge rumaram certa vez para Bristol com a intenção de se dirigirem à América, onde deviam fundar uma comunidade ideal, ignorante de leis, superstições, propriedade privada, injustiças de qualquer natureza, tudo quanto entravasse a livre iniciativa dos homens, e para ela já tinham reservado o nome nada poético de Pantissocracia. Aconteceu, porém, que, enquanto esperavam a hora de embarcar, o sonho se evaporou de repente, porque verificaram que não tinham dinheiro para fretar o navio.

Desfeito assim o plano, "tão inocente quanto extravagante", que no entanto serviu para desviar os poetas do caminho da sedição, segundo irá escrever Coleridge muito mais tarde, também não podem eles esperar muito das truculências da Revolução, pois sua fé comum na regeneração social não os levava além da inocente extravagância. Com efeito, a própria utopia que se tinham proposto edificar, mostra como achavam só possível a realização da sociedade justa, por meio da persuasão, nunca pelo apelo à violência. A expedição projetada e malograda às plagas pantissocráticas ficou pois resumida, para Southey, numa das suas retomadas de contato com a terra natal e, em suma, em um mergulho no passado. Bristol, a cidade em que nasceu, sempre fora cidade de mercadores e armadores, governada por uma oligarquia de famílias patrícias como a dos Cannynges que, no século XV, oito vezes lhe deu prefeitos (de um deles, William Cannynges, chamado o Grande, descendia aliás, em linha reta, o estadista George Canning, um dos numes do poeta) e que, já então, não pensava em termos apenas europeus, pois consta que num verão de 1480 deixaram seu porto dois navios sob a proteção da Virgem (fulcando Maria) para ir buscar e achar uma ilha misteriosa chamada Brasylle. Agora, porém, tendo sido por longo tempo a segunda cidade do Reino, segunda em população, depois de Londres, não se mostrava tão pressurosa como outros portos, Liverpool, por exemplo, sem falar nos grandes centros fabris ou mercantis - Birmingham, Manchester ou, na Escócia, Glasgow, até Edimburgo - em assimilar tudo quanto significava a Revolução Industrial.

Robert Southey, que se ia fazendo cada vez mais um contrarrevolucionário e mesmo um antimoderno, parecia bem à altura dessas tradições ancestrais. Ora, o antimodernismo não era necessariamente impopular, na medida em que denunciava, por vezes de modo agressivo, as inovações técnicas tendentes a suprir o trabalho humano, naturalmente à custa dos trabalhadores que levava

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