O fardo do homem branco. Southey, historiador do Brasil. Com um estudo dos valores ideológicos do império do comércio livre

ao desemprego, e além disso casava bem com certa sensibilidade romântica. Pode-se, porém, dizer outro tanto de uma aquiescência sistemática à santa ordem estabelecida, santa porque traz a chancela de um venerando passado? A verdade é que essa filosofia de emergência e que tão mal condiz com o espetáculo de um progresso material sem precedentes, só tinha como perdurar na Inglaterra enquanto pairassem dúvidas sobre o futuro da própria nacionalidade. Um ambiente carregado de ansiedade e medo, medo da Revolução, depois medo de Napoleão, explicava algumas cautelas, não raro repressivas, do poder público e dos homens de mais responsabilidade, nostálgicos dos bons e velhos tempos. Fechado, entretanto, o parêntese, já haverá lugar para um novo festival libertário, impaciente com os conformismos acadêmicos e laureados da geração precedente. Assim um Shelley, que não se cansará de admirar o passado "jacobino" e pantissocrata de Southey, dele se despede agora como de um triste renegado. Mais ferino ainda, Lord Byron recorre a uma pobre rima (Southey - lousy) para melhor injuriá-lo.

O tempo não dá sempre razão ao radicalismo de reações como essas. Sobre Wordsworth, o amigo e companheiro de Southey, como este, e logo depois deste, também poeta laureado, foi dito que, chegada a velhice, se tornou mais popular do que o Byron morto e sepultado. Igual fortuna faltou a Southey, mas nem isso impede que ainda tenha devotos. Lembro-me de um historiador e notável "brasilianista" norte-americano George Boehrer que, falando no autor da História do Brasil, e não sei se também no poeta, tinha o costume de deformar deliberadamente a pronúncia inglesa do nome de Southey, para evitar a ofensiva rima byroniana. E o mesmo ainda faz, se não me engano, seu amigo Manuel S. Cardoso, diretor da biblioteca Oliveira Lima, da Universidade Católica de Washington, D. C., nos Estados Unidos.

Maria Odila da Silva Dias, a autora deste livro, não se filia aos devotos do historiador poeta ou, ao menos, não pretende apontá-lo como um modelo sempre vivo. Julgo conhecê-la o bastante como antiga aluna e, mais tarde, assistente da cadeira de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de S. Paulo, então sob minha responsabilidade, para saber que, com sua curiosidade intelectual constantemente alerta, com seu jamais contentar-se de conhecer ou pesquisar assuntos pela metade, sua formação cultural honesta e discreta, tem todo o necessário para distinguir os caminhos e os descaminhos que podem levar às restaurações postiças e fraudulentas.

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