Tratado descritivo do Brasil em 1587

a quem a Rainha D. Catarina, no tempo que governou estes reinos, foi imitando; mas como ela desistiu da governança deles, foram esfriando os favores e socorros que cada ano esta nova cidade recebia, para a qual não mandaram dali por diante mais que um galeão d'armada, em que iam os governadores que depois a foram governar, pelo que este Estado tornou atrás de como ia florescendo. E se esta cidade do Salvador cresceu em gente, edifícios e fazenda como agora tem, nasceu-lhe da grande fertilidade da terra que ajudou aos moradores dela, de maneira que tem hoje no seu termo, da Bahia para dentro, quarenta engenhos de açúcar, mui prósperos edifícios, escravaria e outra muita fábrica, dos quais houvera muitos mais, se os moradores foram favorecidos como convinha, e como eles estão merecendo por seus serviços, com os quais o governador Mem de Sá destruiu e desbaratou o gentio que vivia de redor da Bahia, a quem queimou e assolou mais de 30 aldeias, e os que escaparam de mortos ou cativos, fugiram para o sertão e se afastaram do mar mais de 40 léguas, e com os mesmos moradores socorreu e ajudou o dito Mem de Sá as capitanias dos Ilhéus, Porto Seguro e a do Espírito Santo, as quais estavam mui apertadas do gentio daquellas partes e com eles foi lançar por duas vezes os franceses fora do Rio de Janeiro e a povoá-lo, onde acabaram muitos destes moradores sem até hoje ser dada nenhuma satisfação a seus filhos. E todos foram fazer estes e outros muitos serviços a sua custa, sem lhe darem soldo nem mantimentos, como se costuma na Índia e nas outras partes, e a troco destes serviços e despesas dos moradores desta cidade não se fez até hoje nenhuma honra nem mercê a nenhum deles, do que vivem mui escandalizados e descontentes.