Na verdade o que se sente é a voz do sangue, que se impõe nos momentos delicados. Não há sofrimento ou cometimento de vulto dos portugueses que não repercuta fundo na alma brasileira. Recordo-me de ter me abalado de São Paulo para assistir à chegada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, atravessando de avião o Atlântico pela primeira vez; nunca tive emoção maior. Senti o famoso verso, "por mares nunca dantes navegados", da época das caravelas, reproduzir-se a meus olhos, diante de toda uma metropole em delírio.

Por outro lado, porém, o que se nota é a incompreensão de alguns elementos, entre a gente culta portuguesa, a respeito das coisas brasileiras. Gago Coutinho, por ocasião da façanha que o imortalizou, na festa que lhe ofereceu o Aeroclube e a que assisti, teve de levantar-se para, em seu nome e no de seu companheiro, em palavras que a todos comoveram, chamar atenção de que somente puderam realizar tão magnífico feito porque um brasileiro, Santos Dumont, proporcionara, com seus estudos e realizações, a solução do problema da aviação.

Tais palavras foram intencionalmente ditas porque, em uma instituição lusa, um escritor português, ao saudar seus gloriosos compatriotas, procurara minimizar os feitos de Santos Dumont.

Desviei-me do problema linguístico, para abordar um assunto que vem sempre à baila, quando se quer mostrar que o brasileiro terá o mesmo direito de ver suas palavras figurarem nos dicionários como as portuguesas.

Se Candido de Figueiredo se acha na obrigação de incorporar aos léxicos tudo quanto o povo português fala, por que nós não temos o mesmo direito? Não é raro, se alguém toca em tais assuntos, levantar-se uma tempestade insincera, procurando suscitar paixões que não existem.

Lembro-me que Mario Barreto, certa vez, defendeu a inclusão nos dicionários do vocábulo camapé porque Camilo Castelo Branco o encontrara em apagada localidade onde fizera uma vilegiatura, e embora soubesse que era uma adulteração