secretário o nosso Alexandre de Gusmão, que deixou dela, e do seu reinado, o retrato ao vivo: "um mar de superstição e ignorância... um bolônio estéril e contrafeito"... Uma alma de beata velha, num corpo de macho coroado, podia ter acrescentado. Tornou Portugal definitivamente carola, inteiramente encravado na fradaria.
"A fradaria absorve-nos; a fradaria suga tudo, a fradaria arruina-nos". Com ele, a corrupção não mais teve reservas: "Tudo se consegue com quaisquer quatro bolas", garante o mesmo Gusmão, "se aplicadas decentemente a qualquer bonzo, quando não possa ser ao vizir seu protetor". Era devoção, orgia e sanguinarismo. Gastou mais do que rendiam as minas;levantou a alvenaria pesada e desgraciosa de Mafra, deu ondas de cônegos à Patriarcal, e teve um recanto de amores no convento de Odivelas. Tinha-as de toda sorte: freiras, barregãs, dançarinas". O rei, devoto e lúbrico,imperava sobre a aristocracia e as freiras, bailarinas e cantoras de Ópera, tendo por amante no seu harém uma cigana. Não lhe bastavam os requintes sensuais de luzes e incensos... comia âmbar". Foi quem mandou queimar o judeu Antônio José, porque o chamou governador da ilha dos Lagartos. Quando acabou de cobrir Portugal de conventos, espalhou-os fartamente pelo Brasil. Quadruplicou os canonicatos, e, em Portugal, não havia imagem de santo que não tivesse coroa de ouro oferecida pelo rei. Tinha como confessor o afamado Frei Martinho, o próprio herói da Martinhada, escrita pelo célebre Camões do Rodo, de quem, ele mesmo, D. João V, era companheiro. O filho e herdeiro do rei beato e devasso foi D. José, nome com que reinou Sebastião José de Carvalho e Mello. A protervia má desse estadista em falso e o ouro do Brasil permitiram a esse Bragança encher um reinado, não sendo ninguém. Não tinha inteligência, sequer, para compreender o papel a que o reduzia Pombal, nem