compreender como, da barbárie curta e devota em que eles viviam no século XV, conseguimos vir à portentosa intensidade humana dos séculos seguintes. É a história de acasos sem nexo, de milagres ilógicos. Nos mesmos volumes, em que centenas de páginas se deixam para as brutalidades do feudalismo e as míseras competições das dinastias bárbaras, duas ou três falarão, sem maiores consequências, de Veneza, Florença, Pisa, Califados, cidades da Hansa, o Condado Portugalense até que, sem outro preparo, chegamos ao deslumbramento da geral "Renascença", estupidamente explicada pelos alfarrábios que alguns eruditos, dessa Constantinopla degenerada e decaída, trouxeram consigo, no fugirem ao Turco. Não os detém, nem a incoerência, nem o ilogismo. Que têm com esses alfarrábios os antecedentes da expansão portuguesa, as instituições democrático-industriais de Florença, a longa e desenvolvida organização política e comercial das cidades hanseáticas e germânicas, grandeza gloriosa da aristocrática Veneza?
Roma cumpriu o seu fado. O Cristianismo, na vasta trilhagem do Romano, repisada pelos bárbaros, com a instabilidade social e política resultante dessas migrações pelo Império latino, o Cristianismo cumprira também a sua missão de desenvolver, nas populações conhecidas, a propaganda moral e os princípios de justiça.
Era uma cultura em extensão. As hordas bárbaras entraram definitivamente para a civilização latina em troca da dose de barbárie que infundiram nas populações dominadas, e da nova estabilidade que assim impuseram. Tanto fora necessário, para essa cultura de vastas superfícies,os príncipes bárbaros, senhores por conquista, aceitam o novo credo, com a condição de continuarem dominando, em partilha com os seus guerreiros. A Igreja se refaz no acordo com a aristocracia, e os bárbaros adotam, da civilização, as utilidades