Cartas do Solitário

de brincar com o seu nobre colega, por ter ele, tão conhecido por sua piedade, infringido o preceito ocupando-se em um domingo de negócios profanos. A censura foi tão direita ao alvo, que Lord Shaftsbury se julgou na obrigação de mandar publicar nos jornais o canhenho contendo a indicação dos serviços religiosos, em que se ocupara durante aquele dia, como lhe era habitual. Os correspondentes do Jornal colocam-me quase na mesma necessidade de mostrar a minha fé de ofício religiosa. E vós sabeis que poderia fazê-lo sem vexame. Prezo-me de ser católico, e se não alardeio piedade fingida, procuro cumprir os preceitos sagrados. Meu zelo, como o do nobre inglês, não me permite deixar de meditar sobre as escrituras e de ouvir a missa em qualquer dia santificado.

Mas a tese que sustento nada tem que ver com os dogmas, com os princípios, com as bases católicas. Disse eu: — Em teoria, não lia religião privilegiada, como as não pode haver inspecionadas. Ou, por outra, não há o que se chama religião do Estado, culto estipendiado e requerido como condição para o exercício de certos cargos; ao contrário, a teoria consagra a liberdade e a igualdade para, todos os cultos, assim como exige que cada qual pague, de sua bolsa, os serviços do padre, e do padre que lhe convier, como se pagam os do médico, do advogado, do professor. Ora, esse regime, que era o primitivo da igreja romana, que ainda é o seu modo de existir nos países protestantes, maometanos etc., não afeta em nada a verdade e a realidade do catolicismo nesses mesmos países, e eu dou por testemunhas, no domínio dos fatos, a Irlanda e, entre os doutores, o respeitável padre Passaglia no seu livro contra o poder temporal da Santa Sé.

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