Cartas do Solitário

no coração do oprimido e acendamos um farol nas trevas do seu futuro.

Mas parece-me ouvir que se duvida da nossa sinceridade ou que se desconhece o mundo aonde vos peço que me acompanheis. Em que é o povo oprimido, e de que se pode queixar nesta boa terra do Brasil? Perguntar-me-ão talvez. Eu respondo-vos lembrando o modo por que se organiza a força pública, desde o recrutamento até a Guarda Nacional. Eu cito a ignorância dos sertões, com a sua barbaridade e com os seus potentados, e a miséria prematura das cidades, com a sua prostituição. Eu aponto para uma chaga que invade mais e mais o corpo social. E não está dito tudo. Há ainda, abaixo do homem livre, o homem escravo; há ainda, depois do miserável que se possui, o miserável africano livre de nome somente.

Vedes bem. O assunto é vasto, e mais grave ainda do que vasto. Penetrando nessas galerias, por assim dizer, subterrâneas, descendo a essas minas da miséria, falta o ar aos pulmões, e o pensamento parece envolver-se numa nuvem pesada de tristeza e desânimo.

Com a energia de um estoico, porém, com a solicitude religiosa de um nobre inglês, cumpramos a nossa missão. Comecemos pelo quadro que parece mais tristonho, comecemos pela sorte dos negros. É justo, meu amigo, que nos lembremos primeiro daqueles que são mais infelizes, daqueles para quem justamente se escreveram estas palavras de fogo: Lasciate ogni sp'ranza!

Não sei se o meu novo tema merecerá, como o outro, o mesmo assentimento. Confio, entretanto, que o vosso espírito generoso aprove o segundo programa do amigo

SOLITÁRIO.

1861, outubro, 28.

Cartas do Solitário - Página 122 - Thumb Visualização
Formato
Texto