Cartas do Solitário

expressado. Pois bem. O Poder Executivo não o entendeu assim, e vê-lo-emos, alegando pretextos mais ou menos plausíveis, começar, desde 1834, a fixar no Brasil a residência dos africanos, distribuindo-os por serviços públicos e particulares.

Sei que, sobretudo, pesou para isso a conveniência que se tinha em vistas de encher o país de trabalhadores adaptados ao seu clima. Sei que se alegava como uma inépcia reexportar braços que já se possuíam, e de cuja criminosa introdução não era o governo culpado. Eis aí a linguagem do egoísmo! Não, direi eu sempre, devera-se ter cumprido a lei por ser lei, e ainda porque a sua disposição era a melhor. Em primeiro lugar, tratava-se do desempenho de um dever sagrado. Em segundo, não era tão urgente a carência de braços, que os devêssemos obter por estratagemas pérfidos. Em terceiro, era esse o meio de alimentar a procura de braços africanos, e, portanto, o mesmo tráfico, pois que se acostumava o país a ver no africano o criado, o servus, o trabalhador para os ínfimos misteres. Em quarto lugar, essa tendência para o trabalhador africano, ou a procura de seu serviço, aumentava na proporção em que extinguia as primeiras tentativas de colonização europeia, estabelecendo demais contra esta uma concorrência terrível. E os fatos demonstraram e demonstram ainda que a emigração forçada africana deteve e embaraçou a corrente espontânea, que começava a romper, da emigração europeia. A sombra do braço do negro seria sempre uma imagem repulsiva do trabalho livre.

Como quer que seja, porém, a onipotência do Poder Executivo triunfou. Mentiu-se a promessa da reexportação, rasgou-se a lei, e sancionou-se um duplo crime contra a honra e contra o futuro do país.

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