Cartas do Solitário

Deixando de cumprir a promessa da lei, o governo lesava o direito do ofendido, o africano, relevava o ofensor, isto é, o traficante, da satisfação do dano causado, concorria para aumentar a procura do trabalho negro, e fomentava, portanto, ainda que indiretamente, o horrível comércio de escravatura. Vejamos, pois, de que pretexto se serviu o Poder Executivo para esse fim e como se dirigiu para consegui-lo.

O aviso de 29 de outubro de 1834 rompe a marcha; é o primeiro da série que vou desenrolar.

Nele, ainda o governo revela certo pudor, começa expondo os motivos por que não se executou a reexportação ordenada em lei. Entrando nesse dédalo de inconsequências e favores ao egoísmo, a administração não poderá mais ressalvar os direitos do africano. Por mais que fossem previdentes as instruções expedidas, elas não poderiam nunca, por sua mesma natureza, vir a ser plenamente executadas. Esse aviso ilegal diz, no preâmbulo, que a regência, vendo não ter o corpo legislativo publicado a medida que o governo pedia para a reexportação dos africanos aprisionados, vendo crescerem as despesas com os depositados na Casa da Correção, e atendendo a outras considerações, como seja o "melhor tratamento e civilização" dos africanos, ordena o juiz de órfãos, de inteligência com o chefe de polícia, faça arrematar os serviços daqueles indivíduos. Aí já se invoca um pretexto valioso: o tratamento e civilização do africano. De outro aviso, porém, colheremos a notícia da importância desses favores prometidos. São os mesmos com que se desculpavam aqui e nas outras colônias as barbaridades perpetradas contra os índios.

As instruções, que acompanham o aviso, compreendem um sistema de cautelas que revelam a tortuosidade

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