Cartas do Solitário

a ser classificados entre as verbas da receita ordinária do Estado.

Veremos, meu amigo, que, assim como se faltou à primeira promessa, assim se desprezou a segunda, relativa ao prazo dentro do qual se extinguiria para o africano a obrigação de servir, ou ao Estado ou a particulares. Disponde a vossa benévola atenção. O assunto é curioso, e vale a pena percorrer os monumentos do passado para encontrar no meio das suas ruínas a tradição e o fio de uma iniquidade presente. Talvez se pense que há grande inconveniência em tratar de um assunto semelhante. Tranquilizem-se, porém, os vossos leitores. Não se trata de levantar uma propaganda contra direitos adquiridos, contra a propriedade, contra a ordem pública. Meu intuito não é o de uma filantropia ardente e provocadora. Tenho só por fim pedir toda a atenção do governo para a efetividade da derradeira garantia deixada ao africano, a de emancipar-se concluído o prazo da lei.

Fácil fora prever as consequências das últimas medidas. O Código Criminal descreveu e puniu em seu art. 179 o crime de reduzir pessoas livres à escravidão. Mas como havia de ser eficaz esta providência da lei, quando se facilitava o cometimento do delito, permitindo-se a um senhor de escravos misturar com estes os africanos cujos serviços arrematasse? Ninguém ignora que não são raros os casos em que o africano distribuído tenha deixado de voltar à liberdade. Uma providência contida no aviso de 15 de setembro de 1836 revela bem que o governo sentia já, dentro de dous anos apenas, a possibilidade, senão a realidade, dos abusos a que nos referimos. Ordena-se aí que, quando falecer o arrematante, os seus herdeiros comuniquem logo isso, a ver se convém, ou não retirar o africano

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