Cartas do Solitário

do seu poder. Com efeito, acontecia que se ocultava a morte do arrematante e se dificultava, na ignorância desta circunstância, o meio de reconhecer ou não a qualidade dos africanos de um herdeiro possuidor.

Quando a pobre vítima do tráfico escapava do cativeiro perpétuo, não podia ao menos, quase sempre, evitar o tratamento bárbaro e as sevícias que lhe infligiam como se escravo fosse. É ainda o aviso de 15 de setembro citado que o denuncia. Revela-nos o aviso, em palavras textuais, que iam alguns arrematantes entregar na Casa da Correção, por não querer tratá-los, os africanos, quando se "achavam doentes de moléstias incuráveis, de que logo morriam", já adquiridas casualmente, "já em consequência de serviços pesados" de que os encarregavam, e até mesmo de "rigorosos castigos".

Dir-se-ia que fazemos uma narrativa de pura fantasia, que adiantamos juízos apaixonados que a história não autoriza, contra a moralidade de alguns dos locatários de africanos livres.

Haverá, pelo menos, quem nos julgue exagerado, quem negue as barbaridades e os crimes resultantes da distribuição daqueles indivíduos. Se, a fim de confirmar nossas asserções, não pudéssemos apelar para a memória de muitas pessoas, se não pudessemos apontar frases denunciadoras como as do aviso citado, ao menos seria muito razoável que invocássemos o texto de uma lei recente promulgada contra o comércio de escravatura. Depois de descrever os autores e cúmplices desse crime, o processo do seu julgamento e autoridade competente, a lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, diz no art. 6º: "Todos os escravos que forem apreendidos serão reexportados por conta do Estado para os portos donde tiverem vindo, ou para qualquer ponto fora do Império...; e,

Cartas do Solitário - Página 133 - Thumb Visualização
Formato
Texto