Cartas do Solitário

ocultas), bem poderia eu escolher para objeto de minhas meditações calmas o estudo, sem prevenções partidárias, deste ou daquele ato, deste ou daquele plano de reformas. Mas governa-nos a preguiça e entorpece-nos o desmazelo. Assim, que tenho com a vida de um ministério que está só contando o seu tempo de antiguidade para obter a graça da próxima aposentadoria? Com os olhos fitos nas grandes questões, com o espírito preocupado, esqueço-me da vida inglória que arrastam esses desprezíveis oficiais-maiores, esses insolentes criados de casa nobre. É preciso, com efeito, esquecer-me dos homens do meu tempo e do tempo em que vivo, para levar ao cabo um trabalho, que não é porventura empreendido para eles, senão para outra geração menos corrompida e mais entusiasta, mais ilustrada e menos egoísta.

Para compreender-se a filiação histórica das leis que hoje regem no Brasil o comércio marítimo por cabotagem, permiti-me subir até as suas fontes.

As conquistas da África e América fizeram objeto de muitas disposições e regulamentações impostas à navegação pelos reis de Portugal. Naquele tempo acreditava-se que o comércio era como uma empresa do Estado, e o Estado era o rei. Escritores mais habilitados desenvolverão um dia a ordem histórica desse milheiro de decretos estúpidos, a cujo círculo de ferro o despotismo ignaro pretendia limitar o movimento da liberdade do comércio. Eu só careço de assinalar em traços brevíssimos o caráter geral dessas leis.

Ninguém o compreendeu melhor e o expôs mais sucintamente do que o autor do monumento que se chama O Espírito das Leis. Vou citá-lo como autoridade tanto maior quanto é certo que, impressionado pela filosofia semibárbara do século, Montesquieu

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