Cartas do Solitário

O mal agrava-se ainda com a interposição de informações, pareceres e consultas de diversas autoridades. É este um sistema antigo e de curiosíssimo estudo. Em regra, documento algum sobe a despacho que não tenha sido informado ab initio, e como, por outro lado, as menores questões são afeitas ao ministro e algumas dependem até de deliberação tomada em Conselho, resulta que o documento primordial, quando chega àquelas alturas, é esmagado debaixo do peso de multiplicadas e fastidiosas informações. Obscurecem-se assim, não se esclarecem as questões, perdem as partes o tempo, e o expediente absorve por si só a atividade do ministro mais trabalhador.

O vício orgânico dos homens neste país, vós o sabeis, é a ausência de autonomia. O brasileiro não se sente independente e livre, não se dispõe a vagar nos mares da vida contando só com a sina da sua estrela e os ventos da sua fortuna, não resolve caminhar senão apoiado em algum braço protetor. Nos desertos da existência, não vai ele mesmo plantar a árvore que o deva abrigar. Alonga os olhos e procura logo árvore copada, à cuja sombra estenda a sua barraca de viagem.

Esta fraqueza de ânimo, que é o nosso característico, explica bem a maneira porque de ordinário procedem as autoridades do país.

Apesar de recomendações e avisos recentes do governo, o juiz de direito, v. g., não resolve por si uma espécie qualquer, que se lhe ofereça sob o aspecto de certa gravidade ou novidade. Consulta ao presidente, o presidente ao ministro, o ministro à secretaria, e da secretaria aos consultores e dos consultores ao Conselho de Estado... O ministro, em regra, conhece de tudo, mas não resolve nada sem ser apoiado em tantas e tantas informações. Como a judiciária, procede a autoridade militar, a eclesiástica, a administrativa. Assim,

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