porque o pai, também senhor de engenho, possuía boa escravaria no Sapé, São José de Mipibu, no Rio Grande do Norte. Privei de sua intimidade como seu amigo e advogado, e várias ocasiões hóspede, provocando lembranças que para mim eram preciosas e únicas. Com memória infalível, evocava as fisionomias dos escravos, divertimentos, as caçadas e pescarias autorizadas ou fugitivas, a alimentação normal em que, às escondidas, vez por outra se associava. Em 1932-1933 ainda mantinha uma velha negra centenária, sobrevivente do grupo que o servira tantos anos.
Os dois escravos, Fabião das Queimadas e Silvana, colaboraram no meu Vaqueiros e Cantadores (Porto Alegre, 1939). Ambos frequentaram nossa casa, especialmente Fabião, grande cantador, improvisador, alegria das festas pobres, que meu Pai agasalhava sempre para ouvi-lo cantar sátiras no ritmo do redondo, Sinhá. A bibliografia manejada é acessível mas as vozes dos dois escravos desaparecidos e do velho senhor de Mangabeira são mudas para sempre.
Dos portugueses documento-me em fontes antigas, eruditas e populares, historiadores, etnógrafos, folcloristas; autos de Gil Vicente, rifões vulgares e estudos especiais, fixando os padrões alimentares através do tempo.
Com os africanos as consultas foram em livros fundamentais e nalgumas raridades que não envelhecem.
Cada seção possui sua bibliografia, não incluindo os livros mencionados no texto.
HÁ, TODA A GENTE SABE, uma tentação arrastante para fixar importância no que preferimos. Fortis imaginatio generat casum, e acabamos vendo quanto descrevemos com paixão.
Toda a finalidade dessa História da Alimentação no Brasil é no plano da notícia, da comunicação, do entendimento. Existe a evidência de expor padrões alimentares que continuam inarredáveis como acidentes geográficos na espécie geológica. Espero mostrar a antiguidade de certas predileções alimentares que os séculos fizeram hábitos, explicáveis como uma norma de uso e um respeito de herança dos mantimentos de tradição. A modificação desses usos dependerá do mesmo processo de formação: o tempo. Impõe-se a compreensão da cultura popular como realidade psicológica, entidade subjetiva atuante, difícil de render-se a uma imposição legislativa ou a uma pregação