Ao exemplo clássico de Cícero, que falava em casa de maneira diversa da que falava no Senado, podemos acrescentar, entre outros, o de Flaubert - o artista máximo. "Flaubert tinha duas maneiras de escrever: a de redigir uma carta familiar e a de compor, no seu estilo trabalhado, as obras literárias. A "escrita artista" é sempre uma reação contra a língua comum; é de certo modo uma gíria, a gíria literária, que por comportar numerosas variedades e ser diferente entre os parnasianos e os simbolistas ou os decadentes, não deixa de ser sempre uma alteração do falar corrente.(25)Nota do Autor
A "superstição visual" de que nos fala DAUZAT(26)Nota do Autor, a superstição da linguagem escrita é que dá lugar a essa cisma, a essa extravagância de supor-se seja a língua literária a verdadeira língua de um povo e ver nas suas manifestações a expressão genuína de um idioma, como se o seu gênio, a sua vida, a sua força nativos borbotassem da escrita dos homens de letras. Nada mais falso. A linguagem do povo dá também ao artista os recursos e os elementos para a sua obra literária.
"Convençamo-nos", diz ele, "de que - contrariamente à opinião espalhada - os escritores muito pouca influência têm na evolução das línguas. O povo é o nosso mestre soberano de linguagem: suas sentenças não têm apelação, e o uso justifica tudo - os solecismos e barbarismos".(27)Nota do Autor
Estudando as causas do prestígio da escrita e do seu ascendente sobre a forma falada, escreveu SAUSSURE:
"Língua e escrita são dois sistemas de signos distintos; a única razão do segundo é representar o primeiro; o objeto linguístico não é definido pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; esta última constitui por si só esse objeto.(*)Nota do Autor Mas a palavra escrita se liga tão intimamente à palavra falada da qual é imagem, que acaba por usurpar