Nem os bororos, portanto, escapariam à célebre sentença de quem disse que os aborígenes brasileiros, por não conhecerem as letras "f" e "l", não tinham também nem fé, nem lei. A conclusão, com ser absurda, não deixa de nos parecer mnemônica, e como tal, aqui a registramos.
Quase nenhuma semelhança léxica, entretanto, se nos deparou ainda entre o tupi e o bororo, a não ser o sufixo pába ou pá, em tupi-guarani, e pá em bororo, que, um e outro, significam estância ou lugar.
Assim os vocábulos igarapaba ou igarapá, em tupi-guarani, e icapá, em bororo, designando ambos o "lugar da canoa", o porto, oferecem não pequena afinidade, até nos termos igára e ica, que dizem a mesma coisa, isto é, canoa, não obstante a grande divergência etimológica, sendo que igára, segundo Teodoro Sampaio, vem de y=água, em tupi, e ica vem de i=árvore, pau, em bororo.
Curioso é também o termo tapíra, que significando, em tupi, não somente o conhecido paquiderme (a quem forneceu até a designação científica de tapirus americanus), mas também o gado vacum, em geral, tem igualmente, em bororo, este último sentido.
De sorte que o nosso rio Tapirapé, nos limites com o Pará, quer dizer, em tupi, "caminho da anta", mas poderia significar também em bororo, "estrume de gado". E os nomes bororos báire=pagé ou feiticeiro, e japára=foice, não lembram os correspondentes tupis mbaira (donde se origina também "pagé", segundo T. Sampaio) e quicéapára?
Quem quer que disserte sobre a nossa "língua geral", não deixa de notar a paronomásia, que vai entre o termo indígena so-ó, animal, e o seu correspondente grego zóon.
Mais notáveis, entretanto, são talvez, no bororo, curiosidades que tais. Assim a palavra Kéra = mão lembra perfeitamente o seu equivalente em grego keír-keirós.
O verbo helênico rhéo = corro, aparece impressionantemente no bororo re, que figura nos compostos pobô-re = "água corre", cachoeira; po-rê-ráca = "água corre forte" (nome de um afluente da margem esquerda do rio das Mortes); Po-rereu, que vulgarmente se alterou para Bo-rê-rêu, e é a substantivação de Pobôre ou Porê, mediante o sufixo mu, isto é, "o correr d'água", designando a conhecida corredeira do Tarigára (ou Perigára), atual galho principal do S. Lourenço, etc.
Não menos interessante é o vocábulo pôro = orifício, abertura, como em bai-pôro = abertura da casa = porta; viéja-pôro = buraco do ouvido; porôddo = furar, etc. Pois, não será ele o mesmo termo grego-latino poros = porus, que passou para o português "poro"?
Existem ainda os termos ócu = olho e úro = quente (donde pôúro = "água quente" termas ou caldas), que facilmente rememoram os latinos, isto é, o substantivo oculus e o verbo uro = queimo.
Também a partícula interrogativa dos bororos na? (uh = sim, uh-na? sim?), não se prenderá ao ne latino?