Ainda uma vez, haverá nisto progresso real? Queremos dizer, no que respeita às noções fundamentais da vida? Não será simples explosão de egoísmo, de individualismo excessivo, de impiedoso struggle for life, de descaso dos mais fracos e da brutalidade primitiva transposta para a arena contemporânea das lutas — o conflito perene na conquista das riquezas? Não será uma forma peculiar de ferocidade atávica a invocar pretensos direitos e proclamar alvo último o vivre sa vie, sem cogitar dos demais que se curvam ante uma série da categorias de deveres? Não valerá por substituir a um ideal qualitativo, uma lei social grosseiramente quantitativa, em que a medida adotada é a dos recursos materiais para se satisfazerem todos os apetites, os mais subalternos quase sempre?...
Bem se compreende, nessas condições, como o explodir de paixões inferiores baniu o cogitar sereno, altruísta, de noções mais puras. O eu substituiu o amor ao próximo. Por que constranger-nos, limitar nossas aspirações, se possuímos meios para as satisfazer? Nosso semelhante só nos serve enquanto útil. Para que o velho credo de piedade e de amor? Por que lenir dores que são alheias, ou enxugar lágrimas que não correm de nossos olhos?
Carpe horam no sentido de aproveitar doçuras da existência, tal se tornou o lema inspirador de toda atividade. E nos livros, na imprensa, nos debates parlamentares, tudo se subalternizou a uma simples questão de dinheiro e de gosto, cada qual, na concorrência dos egoísmos, procurando puxar para si o maior quinhão, sem respeito do alheio, sem dó pelo sofrimento do próximo, sem alçar a vista para mais alto do que o horizonte dos interesses.